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terça-feira, 28 de maio de 2013

José de Alencar: criador de mitos

José de Alencar, advogado, jornalista, político, orador, romancista e teatrólogo, nasceu em Mecejana, CE, em 1o de maio de 1829, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12 de dezembro de 1877. É o patrono da Cadeira n. 23, por escolha de Machado de Assis.
Era filho do padre, depois senador, José Martiniano de Alencar e de sua prima Ana Josefina de Alencar, com quem formara uma união socialmente bem aceita, desligando-se bem cedo de qualquer atividade sacerdotal. E neto, pelo lado paterno, do comerciante português José Gonçalves dos Santos e de D. Bárbara de Alencar, matrona pernambucana que se consagraria heroína da revolução de 1817. Ela e o filho José Martiniano, então seminarista no Crato, passaram quatro anos presos na Bahia, pela adesão ao movimento revolucionário irrompido em Pernambuco.
As mais distantes reminiscências da infância do pequeno José mostram-no lendo velhos romances para a mãe e as tias, em contato com as cenas da vida sertaneja e da natureza brasileira e sob a influência do sentimento nativista que lhe passava o pai revolucionário. Entre 1837-38, em companhia dos pais, viajou do Ceará à Bahia, pelo interior, e as impressões dessa viagem refletir-se-iam mais tarde em sua obra de ficção. Transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro, onde o pai desenvolveria carreira política e onde freqüentou o Colégio de Instrução Elementar. Em 1844 vai para São Paulo, onde permanece até 1850, terminando os preparatórios e cursando Direito, salvo o ano de 1847, em que faz o 3o ano na Faculdade de Olinda. Formado, começa a advogar no Rio e passa a colaborar no Correio Mercantil, convidado por Francisco Otaviano de Almeida Rosa, seu colega de Faculdade, e a escrever para o Jornal do Commercio os folhetins que, em 1874, reuniu sob o título de Ao correr da pena. Redator-chefe do Diário do Rio de Janeiro em 1855. Filiado ao Partido Conservador, foi eleito várias vezes deputado geral pelo Ceará; de 1868 a 1870, foi ministro da Justiça. Não conseguiu realizar a ambição de ser senador, devendo contentar-se com o título do Conselho. Desgostoso com a política, passou a dedicar-se exclusivamente à literatura.
A sua notoriedade começou com as Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, publicadas em 1856, com o pseudônimo de Ig, no Diário do Rio de Janeiro, nas quais critica veementemente o poema épico de Domingos Gonçalves de Magalhães, favorito do Imperador e considerado então o chefe da literatura brasileira. Estabeleceu-se, entre ele e os amigos do poeta, apaixonada polêmica de que participou, sob pseudônimo, o próprio Pedro II. A crítica por ele feita ao poema denota o grau de seus estudos de teoria literária e suas concepções do que devia caracterizar a literatura brasileira, para a qual, a seu ver, era inadequado o gênero épico, incompatível à expressão dos sentimentos e anseios da gente americana e à forma de uma literatura nascente. Optou, ele próprio, pela ficção, por ser um gênero moderno e livre.
Casa onde nasceu José de Alencar
Ainda em 1856, publicou o seu primeiro romance conhecido: Cinco minutos. Em 1857, revelou-se um escritor mais maduro com a publicação, em folhetins, de O Guarani, que lhe granjeou grande popularidade. Daí para frente escreveu romances indianistas, urbanos, regionais, históricos, romances-poemas de natureza lendária, obras teatrais, poesias, crônicas, ensaios e polêmicas literárias, escritos políticos e estudos filológicos. A parte de ficção histórica, testemunho da sua busca de tema nacional para o romance, concretizou-se em duas direções: os romances de temas propriamente históricos e os de lendas indígenas. Por estes últimos, José de Alencar incorporou-se no movimento do indianismo na literatura brasileira do século XIX, em que a fórmula nacionalista consistia na apropriação da tradição indígena na ficção, a exemplo do que fez Gonçalves Dias na poesia. Em 1866, Machado de Assis, em artigo no Diário do Rio de Janeiro, elogiou calorosamente o romance Iracema, publicado no ano anterior. José de Alencar confessou a alegria que lhe proporcionou essa crítica em Como e porque sou romancista, onde apresentou também a sua doutrina estética e poética, dando um testemunho de quão consciente era a sua atitude em face do fenômeno literário. Machado de Assis sempre teve José de Alencar na mais alta conta e, ao fundar-se a Academia Brasileira de Letras, em 1897, escolheu-o como patrono de sua Cadeira.
Sua obra é da mais alta significação nas letras brasileiras, não só pela seriedade, ciência e consciência técnica e artesanal com que a escreveu, mas também pelas sugestões e soluções que ofereceu, facilitando a tarefa da nacionalização da literatura no Brasil e da consolidação do romance brasileiro, do qual foi o verdadeiro criador. Sendo a primeira figura das nossas letras, foi chamado "o patriarca da literatura brasileira". Sua imensa obra causa admiração não só pela qualidade, como pelo volume, se considerarmos o pouco tempo que José de Alencar pôde dedicar-lhe numa vida curta. Faleceu no Rio de Janeiro, de tuberculose, aos 48 anos de idade.
Obras: I Romances urbanos: Cinco minutos (1857); A viuvinha (1860); Lucíola (1862); Diva (1864); A pata da gazela (1870); Sonhos d’ouro (1872); Senhora (1875); Encarnação (1893, póstumo). II Romances históricos e/ou indianistas: O Guarani (1857); Iracema (1865); As minas de prata (1865); Alfarrábios (1873); Ubirajara (1874); Guerra dos mascates (1873). III Romances regionalistas: O gaúcho (1870); O tronco do ipê (1871); Til (1872); O sertanejo (1875).
A Viuvinha Resumo analítico
O romance começa com o narrador contando como se escrevesse uma carta a uma prima relatando a história de Jorge e Carolina. Ele, herdeiro de uma grande fortuna que em sua juventude passa a gastá-la sem nenhuma preocupação. Apaixona-se por Carolina e começa a ver a vida de um outro ângulo, mas às vésperas do seu casamento, é surpreendido por um velho amigo de seu pai e seu antigo tutor, o Sr. Almeida, descobrindo estar desgraçadamente falido, pobre. Para saldar sua dívida e a honra de seu falecido pai ele toma uma atitude que transformará sua vida. E no dia do seu casamento Jorge tomado pela culpa e pela vergonha, acaba se suicidando e deixando Carolina viúva. Passa-se cinco anos e Carolina continua usando seu traje de viuvez, o que as pessoas do lugar colocam o apelido de viuvinha, por ser uma moça jovem e muito formosa. Neste momento entra em cena Carlos um homem que guardava um segredo. Foi falar com o Sr. Almeida onde deixa claro que ele é o mesmo Jorge que outrora inventou sua morte para poder trabalhar e juntar dinheiro suficiente para limpar seu nome e do seu pai. Carlos freqüentemente fica nas sobras embaixo da janela de Carolina, cuidando dela, amando-a em segredo, até que um dia resolve escrever uma carta onde fala do seu amor e marca um encontro, sem ela saber de quem se trata. Entra em contradição o seu pobre coração, se deve ou não ir ao encontro mesmo sabendo que ainda ama desesperadamente seu marido Jorge. Quando chega ao encontro o desconhecido fala de seu amor e pede pra ela aceitar a ele. Mas em primeiro lugar Carolina tenta repudiá-lo dizendo que não o quer, que ainda esta apaixonada pelo seu falecido marido. Neste momento então Carlos resolve se mostrar a Carolina contando toda a verdade, e abraça-a e beija e ambos juntos vão celebrar este amor tendo até que enfim sua noite de núpcias. Pela manhã o Sr. Almeida resolver ir até a casa de Carolina para contar a ela e sua mãe sobre a volta de Jorge, e enquanto ele esta falando com a mãe de Carolina, esta a chama e ela dizem que esta esperando por Jorge, sua mãe acha que Carolina esta enlouquecendo e quando vai até o quarto da jovem leva um susto quando a vê no corredor de braços dados com o falecido. O narrador termina contando que ouviu esta história de Carlota que é vizinha e amiga da viuvinha.
Lucíola – Resumo e análise da Obra
LUCÍOLA é o quinto romance de Alencar e o primeiro da trilogia que ele denominou de "perfis de mulheres" (Lucíola, Diva e Senhora). Situa-se entre seus romances urbanos que representam um levantamento da nossa vida burguesa do século passado mais considerável do que o levado a efeito por Machado de Assis, na opinião de Heron de Alencar. Fixam o Rio de Janeiro da época, com a sua fisionomia burguesa e tradicional, com uma sociedade endinheirada que freqüentava o Teatro Lírico, passeava à tarde na Rua do Ouvidor e à noite no Passeio Público, morava no Flamengo, em Botafogo ou Santa Teresa e era protagonista de dramas de amor que iam do simples namoro à paixão desvairada.
 Em todos os romance urbanos, Alencar aborda o amor como tema central. Ou, para ser mais exato, "aborda a situação social e familiar da mulher, em face do casamento e do amor" segundo Heron de Alencar. Mas o amor como o entendia a mentalidade romântica da época, "um amor sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, mas redimindo-se pela própria força acrisoladora de sua intensidade e de sua paixão." (Oscar Mendes, in José de Alencar - romances urbanos, Rio de Janeiro, Agir, 1965, Col. Nossos Clássicos - p.10).
  Baseando-se na enorme aceitação de Alencar junto ao público, Antônio Cândido comprova a existência de pelo menos dois Alencares:
  "o Alencar dos rapazes, heróico, altissonante, criando heróis como Peri, Ubirajara, Estácio Correia (As Minas de Prata), Manuel Canho (O Gaúcho), Arnaldo Louredo (O Sertanejo).
   o Alencar das mocinhas, gracioso, às vezes pelintra, outras, quase trágico, criador de mulheres cândidas e de moços impecavelmente bons, que dançam aos olhos do leitor uma branda quadrilha, ao compasso do dever e da consciência, mais fortes que a paixão. As regras desse jogo bem conduzido exigem inicialmente um obstáculo, que ameace a união dos namorados, sem contudo destruí-la. Todavia, há pelo menos um terceiro Alencar, o que se poderia chamar dos adultos, formado por uma série de elementos pouco heróicos e pouco elegantes, mas detonadores dum senso artístico e humano que dá contorno aquilino a alguns dos seus perfis de homem e de mulher. Este Alencar, difuso pelos outros livros, se contém mais visivelmente em Senhora e, sobretudo, LUCÍOLA, únicos livros, em que a mulher e o homem se defrontam num plano de igualdade, dotados de peso específico e capaz daquele amadurecimento interior inexistente nos outros bonecos e bonecas." (in Formação da Literatura Brasileira, 4ª ed., São Paulo, Martins, 1971, 2º vol. P.222).
  O AMOR DE LÚCIA E PAULO
  
LUCÍOLA, publicado em 1862, é um romance de amor bem ao sabor do Romantismo, muito embora uma ou outra manifestação do estilo Realista aí se faça presente. Trata-se de um romance de "primeira pessoa", ou seja, o narrador da história é um personagem importante da mesma, Paulo Silva. E ele a narra em cartas dirigidas a uma senhora, G. M. (pseudônimo de Alencar), que as publica em livro com o título de LUCÍOLA.
  Paulo Silva, o personagem-narrador, é um rapaz de 25 anos, pernambucano, recém-chegado ao Rio de Janeiro, em 1855, com a intenção de aí se estabelecer.
  No dia mesmo de sua chegada à corte (Rio de Janeiro), após o jantar, sai em companhia de um amigo para conhecer a cidade. Na rua das Mangueiras vê passar em um carro uma jovem muito bela. Um imprevisto faz parar o carro, dando a Paulo a oportunidade de repará-la melhor. Dia após, em companhia de outro amigo, o Dr. Sá, Paulo participa da festa de N. Senhora da Glória, quando lhe aparece a linda moça. Informando-se do amigo, fica sabendo tratar-se de Lúcia, a prostituta mais bela, requintada e disputada da cidade. Mas ele se impressiona com a "expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher revelam a cortesã franca e impudente."
 Mais ou menos um mês após sua chegada, Paulo vai à procura de Lúcia, levado, é claro pelo desejo de possuir aquela linda mulher. Após longa e agradável conversa, acaba se surpreendendo com o "casto e ingênuo perfume que respirava de toda a sua pessoa". A um mínimo lance de seus seios, "ela se enrubesceu como uma menina e fechou o roupão" discretamente. E ele, que fora quente de desejos, agora, na rua, se acha ridículo por não haver ousado mais. Além do que, o Dr. Sá lhe confirmara que "Lúcia é a mais alegre companheira que pode haver para uma noite, ou mesmo alguns dias de extravagância."
 No dia seguinte Paulo está de volta à casa da heroína. Ao seu primeiro ataque, Lúcia se opõe com duas lágrima nos olhos. Supondo ser fingimento, mostra-se aborrecido e ela reage atirando-se completamente nua em seus braços, já que era isso que Paulo queria. Mas no auge do prazer do sexo, Paulo percebe algo diferente nas carícias de Lúcia: mesmo no clímax do gozo, parece que ela sofria. Sente, na hora, um imenso dó, ao que ela corresponde cinicamente: "- Que importa? Contanto que tenha gozado de minha mocidade! De que serve a velhice às mulheres como eu?" Ele quer pagar-lhe, ela rejeita com um meigo aperto de mão. E ele retira-se realmente confuso com "a singularidade daquela cortesã, que ora levava a impudência até o cinismo, ora esquecia-se do seu papel no simples e modesto recato de uma senhora".
  E as informações que lhe chegam a seu respeito são as piores. O Cunha diz que ela é "a mais bonita mulher do Rio e também a mais caprichosa e excêntrica. Ninguém a compreende. "Nunca fica muito tempo com o mesmo amante, "pois não admite que ninguém adquira direitos sobre ela." Além do mais, é avarenta. Vende tudo o que ganha. Até roupas. Para Paulo, no entanto, ela parece ser ao contrário de tudo isso. Afinal, ela finge para ele ou já o ama? Paulo fica em dúvida atroz.
   Por aqueles dias, numa ceia em casa do Sá, com pessoas (Lúcia, Paulo, Sr. Couto, Laura, Nina, Rochinha, etc...) maldosamente convidadas para transformar a ceia em bacanal, Lúcia desfila toda nua, imitando as poses lascivas dos quadros que estavam nas paredes, ante os olhares voluptuosos dos presentes. Depois, em lágrimas, nos jardins da casa, ela se explica a Paulo. Fez aquilo por desespero, pois ele havia zombado dela momentos antes: "se o Senhor não zombasse de mim, não o teria feito por coisa alguma deste mundo..."E depois porque teria sido uma decepção total, afinal o que Sá pretendia era mostrar a seu amigo Paulo quem era Lúcia. "Não foi para isso que se deu essa ceia?! - explicou Lúcia. E os dois se amaram profundamente, lá mesmo no jardim, á luz da lua, até de madrugada.
 Decorridos alguns dias, Paulo de certo modo passa a morar com Lúcia, e, apesar das prevenções e restrições, mais e mais se liga a ela por afeto. Lúcia, por sua vez, já ama Paulo e se entrega e ele como a um dono e senhor. Há momentos de atritos entre ambos. Passageiros, e todos causados pelo egoísmo e incompreensão de Paulo que não entende as profundas transformações que o seu afeto operou nela. E a tal ponto , que ela não suportaria mais a idéia de se lhe entregar na cama, pois sente por ele um amor muito puro e profundo. E ele, levado mais por desejo que por afeto, não consegue aceitar esse comportamento sublime.
 As más línguas já comentam que Paulo, além de viver à custa de Lúcia, ainda a proíbe de freqüentar a sociedade. Lúcia que já então procurava viver mais retraída dispõe-se a voltar à vida mundana apenas para salvar-lhe a reputação. Mas Paulo - complicado, sádico, estúpido e chato - não compreende.
 Lúcia já não vibra como outrora. Mesmo quando excitada por Paulo. É a doença que já se faz sentir. Paulo não entende essa frieza e por vezes se exaspera. Ela sofre calada pois reconhece que "o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe!". O grande sentimento que os unia, arrefece, dando lugar a uma amizade simplesmente.
O comportamento de Lúcia é cada vez mais sublime e heróico. Já não existe mais nada da antiga cortesã. E Paulo, por fim, entende essa nobreza de caráter e compreende o porquê das suas recusas. Ela lhe recusava o corpo porque o amava em espírito. E também porque já está doente. Paulo promete respeitá-la de ora em diante.
 Lúcia um dia lhe revela todo o seu passado. Chamava-se Maria da Glória. Era uma menina feliz de 14 anos e morava com os pais, quando, em 1850, sobreveio a terrível febre amarela. Seus pais, os três irmãos, uma tia caíram de cama, Ela ficou só. No auge do desespero, resolveu pedir ajuda a um vizinho rico, Sr. Couto, que em troca de algumas moedas de ouro tirou-lhe a inocência. "o dinheiro ganho com a minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de esperança." Seu pai, porém, sabendo da origem do dinheiro, e supondo ter a filha um amante, a expulsou de casa. Sozinha, sem ter aonde ir, foi acolhida por uma mulher, Jesuína, que, quinze dias depois, à conduziu à prostituição, estipulando pela beleza de seu corpo um alto preço. O dinheiro, ela o usava para cuidar do que restava da família: "e eu tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã".
Uma colega de infortúnio foi morar com ela. Chamava-se Lúcia. Tornaram-se amigas. Lúcia morreu pouco depois. No atestado de óbito, a heroína fez constar que a falecida se chamava Maria da Glória, adotando para si o nome da amiga morta. "Morri pois para o mundo e para minha família. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída." E todo dinheiro que ganhava, destinava-o à preparação de um dote para sua irmã, Ana, a qual passou a manter num colégio interno depois da morte dos pais.
 Agora Paulo compreende ainda melhor as atitudes misteriosas e contraditórias que Lúcia tomava como cortesã. É que esse gênero de vida lhe parecia sórdido e abjeto. Ela suportava como a um martírio, uma autopunição, uma maneira de reparar o seu pecado. Conhecido se passado heróico, ele passa a sentir por Lúcia uma grande ternura e um amor sincero.
 Seguem-se dias tranqüilos. Lúcia muda-se para uma casinha modesta e Ana mora com ela. "isto não pode durar muito! É impossível!" É o pressentimento da morte. Lúcia tenta convencer Paulo a se casar com Ana, que já o ama também. Seria uma maneira de perpetuar o amor de ambos, já que ela se julga indigna do puro amor conjugal. Paulo rejeita com veemência em nome do amor que não sente por Ana.
 Lúcia aborta o filho que esperava de Paulo. Ela se recusa a tomar remédio para expelir o feto morto, dizendo "Sua mãe lhe servirá de túmulo". E já no leito de morte, recebe o juramento de Paulo prometendo-lhe cuidar de Ana como sua filha. E morre docemente nos braços de seu amado, indo amá-lo por toda a eternidade.
Senhora, obra-prima de Alencar ao lado de Iracema, narra em terceira pessoa a hist6ria de Aurélia Camargo, que vive com sua mãe viúva e um irmão num subúrbio do Rio de Janeiro.
Aurélia apaixona-se por Fernando Seixas e este por ela, de modo que contra- tam casamento. Seixas, porém, abandona-a por outra mulher por causa do dote desta. Aurélia continua apaixonada por Seixas. Uma herança inesperada, em nome de Aurélia, dá à moça a oportunidade de reconquistar o amado, mas também, de se vingar.
Aurélia, que ainda não tem 21 anos, propõe a Seixas -através de seu tio e tutor, Lemos - um casamento com uma moça de grande dote, contra-recibo. Impõe, no entanto, que ele aceite a proposta sem conhecer a identidade da noiva. Seixas, endividado, aceita. Ao saber que é com Aurélia que vai casar, fica enormemente feliz. Mas, na noite de núpcias, Aurélia lhe revela a verdade: "eu, uma mulher traída; o senhor, um homem vendido" e, mostrando-lhe o recibo, expulsa-o do quarto.
A partir dai, o relacionamento entre eles se torna hipócrita. Diante de estranhos, representam um casal perfeito. A sós, Aurélia o trata como se fosse sua propriedade e Seixas aceita-se como tal até que, um pouco pelo trabalho, um pouco por sorte, consegue juntar o dinheiro que deve a Aurélia, ficando, assim, resgatado. Finalmente, depois disso, os dois jogam-se nos braços um do outro, vivendo felizes para sempre.
O livro se divide em quatro partes:, O Preço, Quitação, Posse e Resgate.
Ubirajara
Romance indianista
1. edição publicada em 1875 por B.L.Garnier
Pré-Cabralino
         Ubirajara, é um romance que narra a história de um índio guerreiro, que por sua força e garra conquistava tudo que queria. O autor, começa a narração falando das nações indígenas existentes na época, e que Ubirajara era irmão de Iracema. Sua primeira atividade foi a caça, e como obtinha muito sucesso nesta atividade, recebeu o nome de Jaguaré, tipo de onça feroz que não deixava escapar suas presas.
Era admirado por todos, e as virgens disputavam o seu amor, mas havia uma moça que se chamava Jandira, que fora prometida para ele seu nome Jandira, tinha o significado "Jandaíra" relativo a um tipo de abelha.
Um dia, Jaguaré, estava caçando e encontrou outra virgem muito bela, que pertencia a tribo Tupi, e logo apaixonou-se por ela, seu nome era Araci, que significa estrela do dia. Ela também gostou dele e lançou um desafio para a sua conquista: aquele que fosse melhor guerreiro teria o seu amor. Jaguaré, aceitou o desafio, e quando se preparava para a luta, encontrou um guerreiro da tribo tupi e travou com ele uma luta que durou muitas horas, porém Jaguaré, saiu vencedor e levou seu inimigo preso para ser morto no tempo certo. Todos da tribo Araguaia, festejaram a vitória de Jaguaré.
Depois ele voltou para lutar pela Araci, na tribo dos Tocantins. Lá foi recebido com honras, como qualquer hóspede, os anciões deram-lhe o nome de Jurandi, que significa aquele que veio da luz ou trazer luz.
Logo ele viu Araci, e ambos ficaram encantados; Jurandi revelou a seu pai que queria a virgem por esposa, e foi lançado as provas de coragem entre todos os pretendentes e Jurandi venceu todas e obteve o consentimento do pai, mas quando Jurandi, revelou sua verdadeira identidade, tudo ficou complicado, porque o guerreiro inimigo que era seu prisioneiro, era o irmão de Araci. Foi aí que a luta seria maior. Ubirajara, voltou à sua tribo, libertou o prisioneiro, e convocou a todos os guerreiros de seu povo para atacar os Tocantins, mas quando eles se preparavam para a batalha, souberam que os tabuias, estavam em guerra com os Tocantins e ofereceram ajuda aos araguaias, porém Ubirajara mandou um recado que não precisava de nenhum aliado para vencer aos dois grupos.
Na guerra dos tapuias com os Tocantins, resultou na morte do maior guerreiro dos tapuias e o chefe dos Tocantins perdeu a visão. Quando os araguaias, chegaram na tribo tupi, Ubirajara pediu ao guerreiro cego que lançasse seu arco e duas cetas se cruzaram no espaço e a paz foi feita entre as duas tribos, e assim Araci, foi com o seu marido para as núpcias em sua cabana, ela rompeu a liga da virgindade e colocou-a no braço do marido. Estendeu a rede nupcial e foi buscar Jandira, que fora dada a ela por escrava pelo Ubirajara, e deu ao marido como esposa, as duas se tornaram esposas do maior guerreiro Araguaia Tocantins.
A união dessas duas nações resultou no surgimento de uma nova nação que recebeu o nome de ubirajara, eles dominaram o deserto, por muito tempo.
Iracema 
Lenda criada por Alencar, Iracema explica poeticamente as origens de sua terra natal. A "virgem dos lábios de mel" tornou-se símbolo do Ceará , e o filho, Moacir nascido de seus amores com o colonizador branco Martim representa o primeiro cearense, fruto da integração das duas raças.
A figura de Martim Soares Moreno é histórica, assim como a de Potí, o índio que o ajuda, conhecido em nossa história como Felipe Camarão.
O enredo é simples : Iracema , a virgem tabajara consagrada a Tupã, apaixona-se por Martim, guerreiro branco inimigo dos tabajaras. Por esse amor abandona sua tribo, tornando-se esposa do inimigo de seu povo. Quando mais tarde percebe que Martim sente saudades de sua terra e talvez de alguma mulher, começa a sofrer. Nasce-lhe o filho, Moacir, enquanto Martim está lutando em outras regiões. Ao voltar, ele encontra Iracema prestes a morrer. Parte, então com o filho para outras terras.
Destaca-se, nesta obra , a linguagem bem elaborada de Alencar. O estilo é artisticamente simples, procurando recriar a poesia natural da fala indígena, plena de comparações e personificações, o que dá ao livro as características de um verdadeiro poema.
Este capítulo mostra o momento em que Iracema encontra Martim pela primeira vez. Ele estava no Brasil, em missão guerreira (conquistar terras para a Coroa Portuguesa) e perdeu-se nas matas, acabando por chegar nos campos dos tabajaras, a a quem ele estava combatendo.
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema, da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com a primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho: o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas da garra, as flechas de seu arco e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizado, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro , estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco da areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada ; mas logo sorriu. O moço guerreiro, aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba , e correu para o guerreiro , sentida da mágoa que causar.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida. Deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
- Quebras comigo a flecha da paz?
- Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
- Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram , e hoje têm os meus.
- Bem - vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias e à cabana de Araquém , pai de Iracema.

Diva,   Resumo – prof. Landisvalth Lima

“A G.M.
Envio-lhe outro perfil de mulher, tirado ao vivo, como o primeiro.
Deste, a senhora pode sem escrúpulo permitir a leitura à sua neta.”
O trecho acima é o exato início do romance Diva, de José de Alencar, publicado no ano de 1864, dois anos após Lucíola. G.M é a mesma narratária do relato de Paulo, o grande amor da vida de Maria da Glória, a cortesã. Ele é, portanto, o narrador também de Diva, embora o relato não tenha sido vivido por ele. Paulo narra o que leu nas cartas enviadas a ele por Dr. Amaral, o outro protagonista de Diva. Ou seja, Paulo é o narrador em 1ª pessoa, mas não vive a história, é testemunha. É, de fato, também, narratário em primeiro plano do relato de Dr. Amaral, o personagem-narrador. G.M é, por fim, narratária de Paulo, em primeiro plano, e narratária de Dr. Amaral, em segundo plano. Dados técnicos a parte, a narrativa é a história de Emilia Duarte. Tudo tem início em 1856, quando Emília (Mila ou Duartezinha) tinha 14 anos. “Era uma menina muito feia, mas da fealdade núbil que promete a donzela esplendores de beleza.
Há. meninas que se fazem mulheres como as rosas: passam de botão a flor: desabrocham. Outras saem das faixas como os colibris da gema: enquanto não emplumam são monstrinhos; depois tornam-se maravilhas ou primores.
Era Emília um colibri implume; por conseguinte um monstrinho.” Era filha do viúvo Duarte, homem rico. Moravam com ela Leocádia, tia, e Geraldo, seu irmão. Ficou muito doente e o recém-formado Dr. Augusto Amaral foi convocado pelo irmão para o tratamento da garota. Tentou examiná-la. Era intocável.” Ouvi um grito. Senti nos ombros choque tão brusco e violento, que me repeliu da borda do leito. Sobre este, sentada, de busto erguido, hirta e horrivelmente pálida, surgira Emília. Os olhos esbraseados cintilavam na sombra : conchegando ao seio com uma das mãos crispadas as longas coberturas, com a outra estendida sob as amplas dobras dessa espécie de túnica, ela apontava para a porta.
—Atrevido!... clamou o lábio erriçado de cólera e indignação.
Apesar da resistência, o jovem médico não desistiu. Foram noites e dias tormentosos até vencer a pneumonia. Sua primeira paciente estava salva. Tempos depois, Emília era a beleza de todas as belezas. “Quando aos dezoito anos ela pôs o remate a esse primor de escultura viva e poliu a estátua de sua beleza, havia atingido ao sublime da arte. Podia então, e devia, ter o nobre orgulho do gênio criador.”  O médico estava apaixonado, mas Emília era uma barreira para o seu próprio coração. Para se defender do amor de Amaral, a garota o desprezava. Quase toda narrativa é uma espécie de caça ao selvagem coração da mimada Duartezinha e os capítulos se seguem em humilhações e negativas. Mas Dr. Amaral amava perdidamente. Passam ainda pela história D. Matilde, tia de Emília, e Julinha, a prima, além dos inúmeros pretendentes da protagonista. “Cumprimentei-a. Inclinou a fronte, não para corresponder-me, mas para esquivar-me o rosto. Quando lhe pedi a contradança, creio que ela fez um grande esforço, porque o seu pescoço de cisne perdeu a doce flexibilidade: ergueu a cabeça com certa aspereza.
Pôs os olhos em meu rosto, e correu-me um olhar frio e gelado, que me transiu.
—Não, senhor; disse com a voz seca e ríspida.
Ainda eu estava imóvel diante dela, quando chegou-se pressuroso o Barbosinha:
—Já tem par para esta contradança, D. Emília!
—Ainda não tenho, não senhor; respondeu ela com a pronúncia clara e vibrante.
Mas Emília estava longe de ser uma menina má. Era caridosa, dedicada ao próximo. Seu problema era Dr. Amaral, porque ela não tinha certeza que o amava. Mila só queria entregar-se a um amor plenamente verdadeiro. A repulsa chegou ao limite. Não suportando, Augusto Amaral afasta-se de Emília. “Não me pude mais conter:
—Adeus, D. Emília. Vejo que minha presença começa a incomodá-la: é tempo de torná,-la mais rara e menos importuna.
—Ah! já cansou de esperar? respondeu com um ligeiro riso de mofa.
—Já perdi a esperança, confesso-lhe. Já; porque enfim compreendo o que se passa em seu espírito.
—Queria que me dissesse isso! Ficaria sabendo.
—Dir-lhe-ei; por que não? A senhora é de uma bondade extrema e cuida que eu tenho direito à sua gratidão. Conheceu que eu a amava, que esse amor era minha felicidade e minha vida. Pareceu-lhe que recusar-me em troca sua afeição, era o mesmo que recusá-la a um pai, a um irmão. Quis amar-me, porque é boa; fez todo o possível para isso, mas debalde... O amor nasce de si mesmo, de repente, sem que o suspeitem. Se ele viesse quando o chamamos e desaparecesse, à vontade, não era o que é, uma fatalidade. Iludiu-se, D. Emília. O homem a quem há de amar, a senhora não o conhece, nem o viu talvez. Quando aparecer, não lhe dará tempo de interrogar-se. Seu coração palpitará por si mesmo, e a senhora sentirá que ama, sem saber como, nem quando, começou a amar!
—Talvez isso seja verdade para outras; para mim asseguro-lhe que não. O amor, como eu sonho e espero, há de ser a minha vida inteira; portanto parece-me que tenho o direito e até o dever de conhecê-lo antes de entregar-me a ele sem reserva e para todo o sempre.
O afastamento acabou por unir um pouco mais os dois. Emília pediu que Augusto voltasse ao de sempre. Concordou, desde que ela parasse de dar esperança aos rapazes. Se não os amava, era desnecessário iludi-los. “Uma noite veio sentar-se a meu lado, e seu olhar envolveu-me daquela ternura compassiva e protetora, que dava à sua virgem beleza um perfume de ideal maternidade.
—Como eu o tenho feito sofrer, não é verdade? me disse ela compungida. Também eu sofro! Que natureza é a minha? Parece que tenho prazer em me contrariar e afligir a mim mesma. Mas não me queira mal, Augusto. Eu lhe prometo ser outra daqui em diante; o que perturbou nossa amizade não sucederá nunca mais.
—Deveras!... Promete repelir os seus adoradores!
—Eu os afastarei tanto de mim, que nem a sombra deles se possa interpor entre nós.
—Obrigado, D. Emília! Obrigado pela senhora, unicamente; não por mim.
—Então isso lhe é indiferente.
—Vem tarde! O mal está feito.
É claro que Emília nunca deixou de ser Emília. Ela só mudaria com a certeza de ter um amor perfeito. Como estamos diante de uma obra romântica, a heroína vencerá. Mila descobre o amor, não sem antes deixar o amado desesperançado. “—Augusto! Seu amor é um nobre e santo amor, como eu pedia a Deus que me desse a fortuna de inspirar!... Responder-lhe com uma dessas afeições banais a que o coração reserva apenas as horas vagas que deixam o cálculo e a vaidade, seria uma profanação indigna!... Espero e lhe peço que espere para não causar por engano a sua e minha desgraça; para não ser obrigada a dizer-lhe um dia:
"Eu me iludi! Esta vida que lhe dei, não a podia dar, não me pertencia, mas àquele de quem a roubei e agora a reclama! Trai a um, menti ao outro; falhei meu destino; só me resta morrer!" Eis porque eu lhe digo que espere.
Calou-se um instante.
—Talvez me iluda!... Há horas em que duvido ainda como outrora. Quero esperar um ano ainda... Acha muito? Para decidir de duas existências?... Se daqui a um ano eu conhecer que não amo, a esta mesma hora, no lugar onde o senhor estiver, eu irei dizer-lhe:
"Deus negou-me a ventura de amar; mas o senhor me ama; se a minha vida é necessária à sua felicidade, tome-a; eu lha dou com prazer; eu lhe pertenço, sem amor, mas cheia de dedicação!" Ouviu, Augusto?... Quer um juramento?
—É inútil! Eu já a não amo!
Fui sincero nesse momento. Aquele sarcasmo com que Emília respondera à minha suplica, o egoísmo frio que ela revelara, tinham traspassado minha alma, e escoado o amor até a última gota... Eu acabava de ver, a nu, o aleijão repulsivo daquele coração de moça.
Perdida as esperanças, quando menos o leitor espera, nas últimas páginas, após a última carta, surge a verdadeira última carta e a confissão do seu amor pleno. “Era quase noite. A voz de Julinha soou no jardim, chamando a prima. Eu ia dar um último passo para Emília; hesitei.
—Fuja, senhora!
Ela não se moveu; ficou muda enquanto os ecos da voz de Julinha continuando a chamá-la ressoavam ao longe. Quando o silêncio restabeleceu-se, e parecia que a prima se tinha afastado, ela veio colocar-se em face de mim, e erigindo o talhe e cruzando os braços afrontou-me com o olhar.
—O senhor é um infame! disse com arrogância.
Fiz um esforço supremo; inclinei-me para beijar-lhe a fronte.
Seu hálito abrasado passou em meu rosto como um sopro de tormenta.
Ela atirara rapidamente para trás a altiva cabeça, arqueando o talhe; e sua mão fina e nervosa flagelou-me a face sem piedade, Quando dei acordo de mim, Emília estava a meus pés. Sem sentir eu lhe travara dos pulsos e a prostrara de joelhos diante de mim, como se a quisera esmagar. Apesar da minha raiva e da violência com que a molestava, essa orgulhosa menina não exalava um queixume ; soltei-lhe os braços magoados e ela caiu com a fronte sobre a areia.
—Criança!... E louca!... murmurei afastando-me.
Emília arrastou-se de joelhos pelo chão. Apertou-me convulsa as mãos, erguendo para mim seu divino semblante que o pranto orvalhava.
—Perdão!... soluçou a voz maviosa. Perdão, Augusto! Eu te amo!...
Seus lábios úmidos das lágrimas pousaram rápidos na minha face, onde a sua, mão tinha tocado. E ela ali estava diante de mim, e sorria submissa e amante.
Fechei os olhos. Corri espavorido, fugindo como um fantasma a essa visão sinistra.
A vassalagem amorosa, praticada por Emília, parece carimbar o final ideal, comovente: —Sim! Eu te amo!... Eu te amo!...
Eram as notas da celeste harmonia que seu coração vibrava, como o rouxinol canta na primavera e as harpas eólias ressoam ao sopro de Deus.
Quando ela desafogou sua alma desta exuberância da paixão, falei-lhe :
—Mas reflita, Emília. A que nos levará esse amor?
—Não sei!... respondeu-me com indefinível candura. O que sei é que te amo!... Tu não és só o árbitro supremo de minha alma, és o motor de minha vida, meu pensamento e minha vontade. És tu que deves pensar e querer por mim... Eu?... Eu te pertenço; sou uma cousa tua. Podes conservá-la ou destruí-la; podes fazer dela tua mulher ou tua escrava!... É o teu direito e o meu destino. Só o que tu não podes em mim, é fazer que eu não te ame!...
Enfim, Paulo, eu ainda a amava!...
Ela é minha mulher.
Com Diva, José de Alencar nos oferece o segundo perfil de mulher. O terceiro e último será Aurélia Camargo, de Senhora, publicado em 1875.
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José de Alencar criou uma literatura nacionalista em que se evidencia uma maneira de sentir e pensar tipicamente brasileiras. Suas obras são especialmente bem sucedidas quando o autor transporta a tradição indígena para a ficção. Tão grande foi a preocupação de José de Alencar em retratar sua terra e seu povo que muitas das páginas de seus romances relatam mitos, lendas, tradições, festas religiosas, usos e costumes observados pessoalmente por ele, com o intuito de, cada vez mais, “abrasileirar” seus textos.
 Ao lado da literatura, José de Alencar foi um político atuante — chegou a ocupar o cargo de ministro da Justiça do gabinete do visconde de Itaboraí — e foi um prestigiado deputado do Partido Conservador por quatro legislaturas. Todas as reformas pelas quais lutou propunham a manutenção do regime monárquico (ver Monarquia) e da escravatura (ver Escravidão).
Famoso a ponto de ser aclamado por Machado de Assis como “o chefe da literatura nacional”, José de Alencar morreu aos 48 anos, no Rio de Janeiro, deixando seis filhos, inclusive Mário de Alencar, que seguiria a carreira de letras do pai. 

terça-feira, 21 de maio de 2013

A Literatura Brasileira Informativa e Catequética


                                                             por: Landisvalth Lima

                                 Período vai de 1500 a 1601.

- Não forma escola literária.
- Os jesuítas da Companhia de Jesus iniciaram a nossa literatura. Chegaram em 1549.
- A literatura desenvolvida nesse período é catequética, informativa e de pouco valor artístico.
- A literatura de informação foi desenvolvida por cronistas e viajantes. A preocupação básica era com a descrição da terra, da gente e dos costumes do lugar.

Principais cronistas:

1 – Pero de Magalhães Gândavo:

         Obra principal: História da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil.

A “História da província de Santa Cruz”
                              Maria Clara Paixão de Sousa
“A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente história, e sair com ela a luz, foi por não haver até agora pessoa que a empreendesse, havendo já setenta e tantos anos que esta província é descoberta”... (Trecho do "Prólogo ao leitor")             
Com essas palavras Pero Magalhães de Gândavo abre o Prólogo ao leitor da sua História da Província de Santa Cruz, o primeiro livro inteiramente dedicado ao Brasil escrito por um autor português.
Esta obra de Gândavo hoje ocupa um incontestável e merecido lugar de destaque: considerada “a primeira história do Brasil”, leitura obrigatória para os interessados no período colonial, foi recentemente objeto de excelentes edições comentadas e diversos trabalhos acadêmicos. É difícil imaginar, diante disso, que este relato pioneiro tenha permanecido escondido do mundo durante os trezentos anos que se seguiram à sua primeira impressão em 1576.
Mas a verdade é que a atenção em torno da obra de Gândavo só teve início no século XIX, depois da tradução francesa de Henri Ternaux em 1837 – até então, o livro de Pero de Magalhães havia sido deixado em relativo esquecimento pelos portugueses, como observa o tradutor em seu prefácio: “Desgraçadamente, a indiferença dos portugueses e espanhóis, mesmo para os seus melhores autores, impediu que esta obra fosse outra vez reimpressa. Tornou-se tão excessivamente rara, que não se encontrariam agora senão três ou quatro exemplares; não se acha em nenhuma Biblioteca Pública de Paris, e é raramente citada pelos autores portugueses que têm tratado do Brasil”. De fato, os séculos XVII e XVIII só viram surgir duas cópias manuscritas – anônimas – do livro impresso em 1576, que circularam obscuramente entre aficionados em Portugal.
Duas décadas depois da tradução de Ternaux, surgem duas novas edições impressas portuguesas da “História”, as duas no ano de 1858: uma oferecida pela Academia de Ciências, a outra pelo Instituto Histórico e Geográfico – ambas agora disponíveis em versão digital na Brasiliana-USP.
O “esquecimento” secular da obra de Gândavo se insere no contexto geral das discussões sobre o lugar reservado pelos portugueses às notícias, relatos de viagens e descrições das suas possessões na América ao longo do século XVI. Interpretado por alguns historiadores como simples desprezo, e por outros como estratégia diplomática perspicaz, esse “esquecimento” – ou segredo ? – resultou, de todo modo, na dificuldade que hoje encontramos na tarefa de contextualizar algumas dessas obras e seus autores.
É esse certamente o caso da “História” de Gândavo: pouco se sabe sobre o autor e o contexto da construção de seu relato, estando hoje em debate até se Pero Magalhães algum dia chegou a colocar os pés nas terras que descreve no livro. Alguns especialistas consideram mais provável que Gândavo tenha reunido as informações apresentadas na “História” ao longo dos anos que antecedem a publicação do texto, quando teria trabalhado nos arquivos da Torre do Tombo justamente com a tarefa de reunir e traduzir papéis relativos à ocupação das colônias. Outros, ainda, afirmam que Pero Magalhães teria estado na verdade na Índia enquanto escrevia a primeira história do Brasil...
No texto de Gândavo, por outro lado, o que o leitor vai encontrar são momentos de grande prazer de leitura. A obra é apresentada por ninguém menos que Luís de Camões, que ofereceu tercetos e sonetos inéditos para anteceder as páginas em que Magalhães “tece sua breve história para ilustrar a terra Santa Cruz pouco sabida”. Camões e Gândavo foram contemporâneos e companheiros em diferentes contextos – entre os quais, o de compartilharem a mesma oficina tipográfica, de Antonio Gonçalves. A obra de Gândavo é, na esfera historiográfica, também companheira da obra de Camões, no seu desejo de elevar e imortalizar os grandes feitos dos portugueses. Na sua “História”, Gândavo relata as “cousas dignas de grande admiração” que há nesta província, para “dá-las a perpétua memória, como costumavam os Antigos: aos quais não escapava coisa alguma que por extenso não reduzissem a história, e fizessem menção em suas escrituras de coisas menores que estas, as quais hoje em dia vivem entre nós como sabemos, e viverão eternamente
E por fim, tenha sido ou não o autor “testemunha de vista” (como diz ter sido) dos acontecimentos e das cenas dignas de admiração que relata, uma coisa é certa: o texto de Gândavo é tão vivo, corre com um estilo tão limpo e fluente, que as imagens que ele desenha com as palavras se levantam vivas diante dos olhos do leitor: imagens de rios caudalosos e seus peixes estranhos; imagens de tatus, onças e antas; imagens de batalhas medonhas e terríveis monstros marinhos... Quase nos sentimos “testemunhas de vista” nós, que o lemos quase quinhentos anos depois.
 (http://www.brasiliana.usp.br)
Em suma:
- Faz um histórico da descoberta do Brasil e de suas primeiras povoações.
- Há descrições das capitanias hereditárias.
- Registra o modo de viver dos habitantes brasileiros na época dos governos-gerais.

Outra obra do autor: Tratado da terra do Brasil

2 – Gabriel Soares de Souza:
Colonizador dono de engenho, comerciante, sertanista e navegador português nascido em Ribatejo, conhecido por ter escrito Tratado descritivo do Brasil (1587), um tratado que constitui um dos primeiros e mais extraordinários relatos sobre o Brasil colonial, que contém importantes dados geográficos, botânicos, etnográficos e lingüísticos, e publicado postumamente por Varnhagen (1879), em Lisboa.
Membro da expedição naval de Francisco Barreto, que partira com destino à África, mas acabou por chegar ao Brasil. Estabelecido na Bahia (1569), montou o engenho Jaguaripe. Voltou a Portugal (1584) para obter da corte o privilégio de exploração de minérios e pedras preciosas ao longo do rio São Francisco.
Enquanto aguardava a permissão régia escreveu seu famoso tratado, dividido em duas partes: Roteiro geral e Memorial das grandezas da Bahia, descrevendo informações sobre geografia, costumes dos índios, agricultura, animais e plantas brasileiros.
Nomeado governador e capitão-mor da conquista das Minas, regressou ao Brasil com 360 colonos, quatro freiras carmelitas e o governador-geral do Brasil, D. Francisco de Sousa. Chegando à Bahia, empreendeu uma expedição que percorreu mais de cem léguas do rio São Francisco, mas morreu de uma febre em pleno sertão, após atingir as nascentes do rio Paraguaçu.
Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/
        
Obra principal: Tratado descritivo do Brasil
Tratado descritivo do Brasil – Gabriel Soares de Sousa.

- Em Tratado descritivo do Brasil em 1587, de Gabriel Soares de Sousa, há uma pequena enciclopédia que registra observações sobre a natureza e a gente do Brasil. A capitania da Bahia aparece com destaque.
- Há preocupação constante do autor com a possibilidade de aproveitamento, povoamento e exploração da terra brasileira.
- Na obra há referências à expedição costeira de 1501, comandada por Gonçalo Coelho, para reconhecimento da nova terra.
-  O autor cita que a expedição de Cristóvão Jacques encontrou 2 navios franceses na Bahia de todos os santos e os bombardeou. O nome da baía foi dado pelo navegador.
-  No documento há um relato sobre a capitania de São Vicente, primeira vila do Brasil e primeira a produzir açúcar. O capitão era Martim Afonso de Sousa.
-  No texto há citações sobre a empreitada de Martim Afonso de Sousa em direção ao interior do rio da Prata. Nesta investida, várias embarcações foram perdidas e muitos morreram.
-  No texto há referências a Tomé de Sousa, fundador da cidade do Salvador.
- Há ainda detalhamento de como a cidade do Salvador foi edificada. Casas foram construídas, muros foram edificados e a artilharia  protegia a cidade. Um colégio de Jesuítas também foi erguido.
-  O autor relata a falta de 3 letras no idioma dos Tupinambás, o Tupi: o F, o L e o R.
- Há relatos também dos índios que, desgostosos, resolvem cometer suicídio comendo areia.

3     Padre Fernão Cardim:
 Obra principal:
Tratado da terra e da gente do Brasil
- Registra as frutas nativas e as trazidas de outros continentes.
- Há o relato de uma estranha arvora que tem água.
- Descreve as árvores que fornecem madeira de qualidade.
- Fala ainda das ervas, dos animais nativos e daqueles que vieram da Europa.
Fernão Cardim nasceu em Viana de Alvito, em 1548 ou 1549. Entrou em uma companhia em 1566 de fevereiro no qual passou 20 anos com o irmão e padre.Na viagem ao Brasil ele acompanhou o padre visitador Cristóvão de Gouveia,no mesmo navio embarcou o primeiro governador Felipe II,no qual acompanhou ele passando pela Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Vicente, chegando até Itanhaí. Viajou com Anchieta para o sul do Brasil e assistiu as festas do trigésimo aniversario da cidade de São Paulo. Dois anos depois o visitador Cristóvão voltou a Portugal, mas Fernão permaneceu. Passou alguns anos no Rio,e depois para a Europa,pois ele foi eleito procurador da província do Brasil e levou seus manuscritos. Quando retornou em 1601seu navio foi capturado pelo pirata Frances Francis Cook e seus manuscritos foram vendidos por Cook que publicou em 1605.

4 – Pero Vaz de Caminha:
        
Obra: Carta do achamento do Brasil

 A Carta

-  Relata ao rei de Portugal o descobrimento.
-  Indica que os índios eram pardos e andavam nus.
-  As datas sobre a descoberta são precisas.
-  O contato entre portugueses e indígenas foi pacífico. Houve até troca de objetos.
-  Registra as duas missas acontecidas em 1º de maio.
-  Indica que só uma mulher participou da missa.
-  Registra que dois degredados, os primeiros habitantes brancos, foram aqui deixados.
-  Prega a necessidade de difundir a fé cristã entre os indígenas.
-   Há clara preocupação comercial com a terra descoberta.

Senhor,

posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!
Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza -- porque o não saberei fazer -- e os pilotos devem ter este cuidado.
E portanto, Senhor, do que hei de falar começo:
E digo quê:
A partida de Belém foi -- como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, a saber da ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.
Na noite seguinte à segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para poder ser !
Fez o capitão suas diligências para o achar, em umas e outras partes. Mas... não apareceu mais !
E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas -- os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.
Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!
Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças. E ao sol-posto umas seis léguas da terra, lançamos ancoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali ficamo-nos toda aquela noite. E quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitura à terra, indo os navios pequenos diante -- por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças -- até meia légua da terra, onde todos lançamos ancoras, em frente da boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos.
E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
À noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus. E especialmente a Capitaina. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar ancoras e fazer vela. E fomos de longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados na popa, em direção norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nós ficássemos, para tomar água e lenha. Não por nos já minguar, mas por nos prevenirmos aqui. E quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali aos poucos. Fomos ao longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que fossem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.
E velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. E as naus foram-se chegando, atrás deles. E um pouco antes de sol-pôsto amainaram também, talvez a uma légua do recife, e ancoraram a onze braças.
E estando Afonso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, foi, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meter-se logo no esquife a sondar o porto dentro. E tomou dois daqueles homens da terra que estavam numa almadia: mancebos e de bons corpos. Um deles trazia um arco, e seis ou sete setas. E na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas não os aproveitou. Logo, já de noite, levou-os à Capitaina, onde foram recebidos com muito prazer e festa.
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata!
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali.
Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele.
Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados.

5 – Pero Lopes de Souza:
Navegador português nascido em Lisboa (1497), autor do famoso Diário da navegação de Pero Lopes de Sousa (1530-1532) que se tornou o mais importante relato sobre a expedição de seu irmão ao Brasil, no início do século XVI. Irmão mais velho de Martim Afonso de Sousa, o acompanhou como piloto e imediato na expedição enviada ao Brasil pelo rei D. João III (1530) e explorou o estuário do rio da Prata (1531). Na volta a Portugal (1532), aprisionou nas costas de Pernambuco, dois navios franceses, o que aumentar seu prestígio junto à corte. Em Portugal escreveu um roteiro de sua viagem ao Brasil, o Diário da navegação de Pero Lopes de Sousa, descoberto pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagem e publicado em Lisboa (1839). Além de conter a sua biografia e a do irmão, a obra narra, entre outros episódios, a fundação das vilas de São Vicente e Piratininga. As elucidações e notas tratam do descobrimento do Rio de Janeiro, do rio da Prata e da ilha de Fernando de Noronha. Em sua última viagem, partiu como capitão-mor de uma esquadra de seis navios, o navegador zarpou novamente de Lisboa (1539) rumo à Índia, porém na viagem de retorno, no mesmo ano, naufragou com a nau Galega em São Lourenço, perto de Madagascar, e desapareceu para sempre.
         Diário da navegação, em suma:
- Documenta dia-a-dia os acontecimentos da expedição comandada por Martin Afonso de Sousa, seu irmão.
-  É um texto técnico com o registro freqüente de referências náuticas.
-   O início do relato é de 12 de março de 1531.
-  Registra o encontro com Diogo Álvares Correia, o Caramuru, na Bahia.
-  Relata que a expedição passou 91 dias na baía da Guanabara.
-  Registra o encontro com a figura do Bacharel, provavelmente um dos degredados deixados por Cabral, encontrada em Cananeia, ao sul de São Vicente.
-  O relato do texto vai até o dia 28 do mês de setembro de 1531.

6 – O Piloto Anônimo

A Relação do piloto anônimo é, ao lado das cartas de Pero Vaz de Caminha e de Mestre João, um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil. Depois da Carta de Caminha, relata o momento inicial da construção da imagem do nativo pelo portugueses (vide "Brasiliana da Biblioteca Nacional", Rio de Janeiro, 2001, página 26). O relato foi publicado, em italiano, na coletânea de viagens organizada por Fracanzano da Montalboddo e intitulada: "Paesi Novamente Retrovati et Novo Mondo de Alberico Vesputio Florentino Intitulato" (Vicenza, 1507, folhas 58 a 77, capítulos 63 a 83).
Diz a Brasiliana da Biblioteca Nacional", Rio de Janeiro, 2001, página 26:
"A política de sigilo, verdadeira ou falsa, do governo português referentemente ao Brasil gerou uma perda irreparável, representada no diminuto número de obras que noticiavam a existência da ilha de Vera Cruz, conforme constatou Francisco Leite de Faria (1972, Moçambique) ao lembrar que ´os impressos publicados em Portugal, no século XVI, respeitante exclusivamente ao Brasil, são poucos, raros e preciosos.´" A própria Carta de Caminha só seria publicada pelo Padre Manuel Aires de Casal em sua "Corografia brasílica", pela Imprensa Régia, no Rio de Janeiro, em 1817!
Montalboddo diz ter traduzido um original em português do qual nunca se achou o paradeiro. A primeira versão em português data de 1812, de autoria de Trigoso de Aragão Morato. Trata-se de uma retroversão, vinda a público na "Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas". Baseia-se numa versão italiana publicada por Giovan Battista Ramusio, em 1550, com o título "Navigationi del Capitano Pedro Alvares Cabral Scrita per un Piloto Portoghese et Tradotta di Lingua Portoghese in Italiana" (In: "Primo Volume della Navigationi et Viaggi...").
Giovan Battista Ramusio é o primeiro a atribuir a um piloto a autoria da relação (cujo significado aqui é o de "relato") mas é pouco provável que o autor desempenhasse esse ofício. A própria narrativa quase desautoriza a suposição, desprovida das observações de natureza técnica comuns em diários escritos por pilotos de navio.
Alguns historiadores creem que Giovanni Matteo Cretico, núncio em Lisboa, seria o autor, tendo compilado ou traduzido uma narrativa anônima, remetendo-a, em seguida, ao cronista de Veneza, Domenico Malipiero. Daí a edição italiana de 1507. Há restrições a essa suposição, pois o núncio não dominava a língua portuguesa, sendo-lhe impossível compilar ou traduzir um texto. Mais plausível é a hipótese de William Greenlee, que, depois de promover cuidadoso levantamento dos homens alfabetizados que retornaram com a armada cabralina, asseverou ser o autor João de Sá, escrivão da armada.
Incertezas à parte, a "Relação..." é um documento importante para os que querem conhecer a empresa marítima de Cabral. No que se refere ao descobrimento, a narrativa pouco acrescenta à Carta de Pero Vaz de Caminha (da qual o autor, aliás, morreu em Calecute). Nada mais nos dá a conhecer sobre a viagem entre Cabo Verde e a costa do Brasil, sobre as características dos nativos ou sobre os primeiros contatos com eles. Limita-se a confirmar o que, de forma mais colorida, descrevem as outras duas testemunhas do acontecimento.
O interessante do relato é continuar com a armada de Pedro Álvares Cabral e narrar suas desventuras. Trata-se do único testemunho direto sobre a segunda viagem dos portugueses à costa da Índia, viagem importante para realizar o que Vasco da Gama não conseguira em 1497 e 1498: estabelecer relações comerciais permanentes com a cidade de Calicute e firmar presença na região. Cabral, quando retornou a Lisboa, foi recebido mais como o responsável por um desastre político e comercial do que como o audaz descobridor de uma rica e promissora terra.
Assim sendo, conclui o autor de "Brasiliana da Biblioteca Nacional", página 33, evocando o Relato do Piloto Anônimo e a "Copia de una littera del Re de Portogallo" etc. mencionada no verbete sobre Pedro Álvares Cabral: ´O fato de as duas primeiras fontes impressas sobre a viagem da armada de Pedro Álvares Cabral terem sido divulgadas no estrangeiro anonimamente contribuiu para o conhecimento imperfeito desse evento histórico que abre o Atlântico Sul à expansão do capitalismo e inaugura o advento da idade moderna. Essa primeira coletânea de viagens organizada por Montalboddo logo no início do século XVI teve grande fortuna editorial no século XVI e, com reedições e traduções, chegando a 35 diferentes impressões, conforme demonstrou Francisco Leite de Faria.´ (Wikipédia).

Relação da viagem de Pedro Álvares Cabral – Piloto anônimo


- Relato de autor desconhecido, publicado alguns anos após a descoberta.
- Datas diferentes das existentes na carta de Pero Vaz de Caminha. Aqui o Brasil foi descoberto dia 24 de abril de 1500.
- Indica que a primeira missa foi realizada na praia, dia 26 de abril.
- Trata da vida indígena, inclusive relatando a pesca de um peixe do tamanho de um tonel.
- Registra que os índios consolavam os degredados quando foram deixados no Brasil.
- Relata que Cabral mandou uma embarcação para levar a carta de Caminha ao Rei de Portugal.
- Faz todo o relato da viagem, inclusive o retorno a Portugal.
- Registra o texto que apenas seis naus retornaram da viagem.
- No retorno, encontraram a expedição de Américo Vespúcio – que faria a 1ª expedição ao Brasil, em 1501.

                       Trecho para leitura:

     Dos papagaios da terra há pouco descoberta
Não vimos neste lugar nem ferro nem outros metais. Os homens da terra cortam a madeira com pedras. Pássaros há muitos e de variados tipos, especialmente papagaios, os quais podem ser de muitas cores e alcançar o tamanho de uma galinha. Há outras aves igualmente belas, cujas plumagens são usadas pelos homens da terra para fazer os chapéus e barretes que usam. A terra é abundante em árvores de diferentes tipos e tem uma água excelente, além de inhames e algodão. Não vimos nenhum animal. 
     O lugar é grande e não sabemos se é ilha ou terra firme, porém, por sua grandeza supomos tratar-se de terra firme. O clima é muito bom. Os homens da terra, que são grandes pescadores, confeccionam umas redes e pescam variados tipos de peixe. Vimos um exemplar por eles pescado que tinha o tamanho de um tonel, mas era mais comprido e mais redondo, sem dentes e com a cabeça semelhante à de um porco. Seus olhos eram pequenos e suas orelhas, longas como um braço e largas como meio braço. 
     Por baixo do corpo, esse peixe tinha dois furos e sua cauda era do comprimento e da largura de um braço. Pés não se viam em nenhum lugar. A sua pele tinha pêlos como a do porco e era da grossura de um dedo. A sua carne era branca e gorda como a do porco. 
     Durante os dias em que estivemos ancorados, o capitão fez saber ao nosso sereníssimo rei do achamento desta terra e deixou nela dois bandidos, condenados à morte, que trazíamos na armada com esse propósito. O capitão prontamente despachou um pequeno navio de mantimentos, que acompanhava as 12 naus da esquadra, com cartas para o rei, relatando tudo quanto se tinha visto e descoberto. A seguir, desembarcou, mandou fazer uma grande cruz de madeira e determinou que a fixassem no solo. Os dois bandidos que tinham ficado no lugar puseram-se a chorar quando da partida, sendo consolados pelos homens da terra, que demonstraram ter piedade deles.

7 – Andre Thevet
    Franciscano, explorador e escritor francês nascido em Angoulême, hoje uma comuna francesa situada no departamento de Charente, na região Poitou-Charentes, cosmógrafo da expedição do calvinista Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571)  que viajou ao Brasil na missão para fundar a França Antártica (1556), objetivando implantar uma colônia francesa no território brasileiro para abrigar protestantes perseguidos e abrir espaço para a exploração mercantil. Cosmógrafo de quatro reis, de Henrique II a Henrique III, era capelão de Catarina de Médicis, quando resolveu acompanhar Villegaignon em sua aventura de colonização francesa no Brasil (1555). Esteve no Rio de Janeiro por menos três meses consecutivos (1555-1556), pois ficou doente e teve de ser repatriado. Escritor prolífico, a brevíssima estada não o impediu de escrever sobre vários aspectos da natureza e dos povos americanos e recebeu o real privilégio para publicação da obra Les singularitez de la France Antarctique, autrement nommee Amerique, & de plusieurs terres et isles decouvertes de nostre temps. Lançado em Paris (1558) com grande sucesso, a obra foi traduzida e publicada em italiano (1561) e em inglês (1568). Com a ajuda dos índios locais, ferrenhos inimigos dos portugueses, os franceses permaneceram no Rio de Janeiro até serem expulsos (1567) pelo Governador-Geral Mem de Sá (1500-1572) e seu sobrinho Estácio de Sá (1520-1567). Na obra descreveu as suas impressões acerca dos primeiros tempos da tentativa francesa de fundação, na América do Sul, na baía de Guanabara, de uma colônia denominada como França Antártica. Foi ele quem criou a expressão França Antártica (1557) e posteriormente culpou os huguenotes, como eram chamados os calvinistas franceses, pelo fracasso da colônia. Esse ataque envolveu uma grande polêmica religiosa com o calvinista Jean de Léry (1534-1611), justificando a obra deste último Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil, autrement dite Amérique (1578), sobre a mesma aventura. Também escreveu La Cosmographie Universelle, Paris (1575). Foi também guarda das curiosidades reais, abade de Masdion, em Sanitonge, e morreu em Paris, aos 88 anos. Escreveu, em português atualizado, ... Ostras agarravam-se às raízes das árvores de mangue, formando verdadeiros cachos. Estas raízes eram cortadas pelos indígenas quando em maré baixa, que preferiam as ostras menores do manguezal às maiores do mar por serem aquelas mais saborosas e sadias e estas causadoras de febres... Ele assegurava em seus escritos que os selvagens da América não viviam nos campos e florestas como animais e nem tinham seus corpos recobertos de pêlos, como ursos, cervos ou leões, afirmando seguramente que a aparência dos nativos era exatamente o oposto do que os pintores do Velho Mundo pincelavam os selvagens ameríndios. Seus escritos e ilustrações comprovavam a existência de homens com corpos lisos e bem cuidados.
Obra:
                  As singularidades da França Antártida

- Descreve a América como descoberta por Vespúcio e vê seus habitantes como estranhos, selvagens, sem lei e sem religião.
- Descreva uma árvore frutífera chamada Pacoveira, na verdade se trata da bananeira.
- Descreve como os índios fazem orifícios no corpo, inclusive furando os lábios com planta aguçada.
- Mostra como as mulheres gostavam de pintar o rosto de preto quando em visita a doentes.

8 – Jean de Léry

Missionário protestante francês nascido em 1534, em La Margelle, na região de Yonne, e falecido em 1613, em L'Isle, na Suíça. Durante a sua vida publicou duas obras sobre a sua estadia no Brasil e mais duas sobre Sancerre, em que descreve a história e cerco da cidade.
O jovem Jean de Léry embarca em 1556, como missionário para a recém-criada colónia francesa de Fort-Coligny, na baía de Guanabara, Rio de Janeiro, Brasil. Aqui, Nicolas Durand de Villegaignon fundara a França Antártica, mas como católico que era, não acolheu bem os missionários protestantes e expulsou-os da colónia. Após dois meses a viver na companhia dos índios Tupinambás, Jean de Léry e alguns dos seus companheiros decidiram regressar a França. Os que teimaram em ficar em Fort-Coligny acabaram por ser massacrados às ordens de Villegaignon. 
A viagem de regresso foi atribulada e a chegada a solo francês não foi melhor. Sem suspeitarem de nada, os missionários levavam consigo uma carta, em que Villegaignon ordenava a prisão e execução imediata destes. Mas as autoridades francesas, igualmente protestantes, ignoraram a ordem.
Jean de Léry estava em Sancerre quando se deu o Massacre de São Bartolomeu, a 24 de agosto de 1572, em que os católicos perseguiram ferozmente os protestantes. O cerco à cidade foi prolongado e Léry ensinou aos seus companheiros alguns truques de sobrevivência que aprendera com os Tupinambás do Brasil. Desta experiência nasceram os seus dois livros: História Memorável do Cerco de Sancerre e História Memorável da Cidade de Sancerre publicados dois anos depois. Contudo, a fama de Léry enquanto escritor deve-se ao seu livro História de uma Viagem às Terras do Brasil, onde relata as experiências vividas e registadas no seu diário de bordo. Foi publicado somente em 1578 depois de vários contratempos. Viveu os seus últimos anos de vida como pastor em Genebra.

Viagem à terra do Brasil – Jean de Léry

- Registra que as tribos nunca passavam mais de 6 meses em um lugar.
-  Mostra que os índios teciam suas redes de dormir.
-  Indica a bebida preferida pelos índios: o cauim.
-  Registra que as mulheres choravam ao receber os visitantes.
-  O autor teve um desentendimento com um Tupinambá, mas não houve briga.

9 – Hanz Staden

Hans Staden em duas viagens ao Brasil e uma breve comparação com a carta de Pero Vaz de Caminha
(por Felipe Aguiar Chimicatti)

Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal,
que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha
Pero Vaz de Caminha

A literatura de viagem adormece sob um caráter essencialmente revelador: Quer ela nos contar o que o viajante assistiu, projetando em nosso imaginário o aparecimento descritivo de uma realidade diversa, vista através de um olhar particular. O assistir, no entanto, não passa de literatura centrada na impressão pessoal: As narrativas seguem, invariavelmente, pontos de vista. Quando os peninsulares europeus se lançaram ao oceano em busca de especiarias, tinham em mente a menor das idéias do que encontrariam. Estes dois relatos – o de Staden e o de Caminha - dizem muito a respeito do estranhamento eurocêntrico da descoberta das Américas. “Ali por então não houve mais fala nem entendimento com eles, por a barberia [barbárie] deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém” (Folha 3 da carta de Pero Vaz de Caminha). Mas esse estranhamento segue lógicas diferenciadas: Hans Staden ficou preso em uma tribo de antropófagos, vendo-os em suas cerimônias comer a carne humana assada; Pero Vaz de Caminha viu os índios a partir de um escopo mais naturalista, menos amedrontador, embora ambos os tratassem em formas subjugadas, de acordo com a mentalidade da época. Para Staden há formidável justificativa para tanto: a eminência de ser devorado.
A narrativa de um alemão
Hans Staden era um mercenário alemão que empreendeu duas viagens ao Brasil – a primeira em 1548, passando por Pernambuco e Paraíba, e a segunda em 1550, passando ela ilha Santa Catarina, dirigindo-se, posteriormente, a capitania de São Vicente, atual Estado de São Paulo. Suas rotas consistiram em séries incríveis de naufrágios e motins, até ser capturado pelos indígenas. Permaneceu nove meses com eles, sempre na eminência de ser comido. Seu relato é premido de receio e assombro, sempre se referindo aos índios enquanto selvagens. Entretanto, é num navio francês que Staden volta à Europa, antes, claro, de barganhar inteligentemente sua liberdade junto aos índios Tupinambás. O livro é um relato surpreendente, sem demasiada amplitude científica, e com vários intertítulos ilustrando os vários capítulos: “Como comeram Jerônimo, o segundo dos dois cristãos assados; Como os selvagens foram à guerra e me levaram com eles, e o quê ocorreu durante a expedição”. Há ainda fascinantes xilogravuras como ilustrações do tempo de cativeiro de Hans Staden. Essas obras foram feitos por ele ou, quando muito, sobre sua supervisão. A esclarecedora introdução de Eduardo Bueno que figura na obra da L&PM traz ainda diversas informações valiosas para a maior compreensão, dentre elas à relação da obra com a ocasião do seu lançamento na Europa. A recepção do texto de Staden no antigo continente atingiu escalas formidáveis, sendo traduzido para o Latim, Holandês, Flamengo, Inglês e Francês, e, já no século XVIII contava com 70 edições. Teria ela influenciado sobremaneira o movimento modernista de 1922 em sua acepção antropofágica. A obra teria sido apresentada a Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Raul Bopp por Paulo Prado, sobrinho do milionário Eduardo Prado, que havia adquirido um exemplar original em um antiquário parisiense. O quadro Abaporu de Tarsila (em tupi-guarani comedor de gente) tem inspiração no então relato antropofágico. Até mesmo o Cinema Novo, sob direção de Nelson Pereira dos Santos, compôs uma obra cinematográfica inspirada no relato de Staden: o filme de 1971 chamado Como Era Gostoso meu Francês, filmado na mesma Ubatuba que Hans Staden se viu aprisionado há quase 500 anos atrás. Existe, entretanto, uma obra cinematográfica mais recente, lançada no ano de 1999, do diretor Luís Alberto Pereira, chamada Hans Staden.
Cândido Portinari e Monteiro Lobato também nutriram admiração pelo relato do alemão, compondo a partir dele obras que refiguraram a narrativa nos respectivos modos dos artistas; nas artes plásticas e na literatura. O primeiro título da obra, de notável extensão, era:História verídica e descrição de uma terra de selvagens, nus e cruéis comedores de seres humanos, situada no Novo Mundo da América, desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas terras de Hessen até os dois últimos anos, visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a conheceu por experiência própria, e que agora traz a público com esta impressão. Como Staden não era intimamente ligado às letras, pediu ao Dr. Johannes Dryander, professor catedrático de medicina na Universidade de Marburgo para rever, corrigir e, quando necessário, aperfeiçoar o original. Este era doutor dedicado à matemática e à cosmografia, sendo ele extremamente preocupado em relatar a verdade, evocando, inclusive, à linhagem paterna de Staden – a qual conhecia – para auferir idoneidade.
A narrativa de um português
Por detrás de qualquer relato de viagem que remonte centenas de anos, existe (ou ao menos deveria existir) um estudo filológico direcionado ao discernimento das nuances idiomáticas da cada época enunciada. As minúcias de uma língua arcaica podem dizer muitas sobre a sociedade que a usava; é o caso da Carta de Pero Vaz de Caminha. Na edição da carta da Martin Claret, o prefácio de Jaime Cortesão toca justo nesse tema, evocando qualidades do escrito que escancaram processos históricos valiosos. É o relato de Caminha o documento inaugural do Brasil colônia, repleto de um tom polido, mesmo que ainda perplexo. A carta foi endereçada ao então rei de Portugal, D. Manuel I, e nela os índios são vistos por Caminha de maneira bem diversa da ótica de Hans Staden: São tidos como seres puros propensos à catequização: “(...) não duvido que eles [os índios], segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza o Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade” (Folha 11 da carta de Pero Vaz de Caminha). O contato primeiro na costa brasileira, para os portugueses, foi, portanto, um afável escambo. Os índios ganharam uma série de presentes e os lusitanos uma graúda porção de terra. Foi realizada ainda uma cerimônia religiosa na costa, com direito a cruz e participação indígena que, como consta na carta, empoleirava-se a margem da praia em grupos cada vez mais volumosos (grupos de centenas de índios iam ver a chegada lusa).
Correr sobre os dois relatos é perceber, por exemplo, a polivalência dos pontos de vista. É certo que o olhar eurocêntrico cristão imperou sobre as narrativas de viagem desta época; a Europa estava fundada sobre a hegemonia da Igreja Católica; e isso se nota fortemente. Agora, a recepção dos índios aos europeus nem sempre foi à mesma. Ler sobre essas histórias é, assim, uma digressão ao passado de nós mesmos, aos nossos processos de formação. Mas o estranhamento dos povos estrangeiros é certamente tão forte quanto sua recíproca. Ambos os livros estão disponíveis em versões acessíveis. O livro de Hans Staden foi reimpresso pela editora L&PM Pocket a um preço de R$ 13 e a carta de Caminha pode ser lida na íntegra no excelente site da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/carta.html, mesmo que sem o prefácio de Jaime Cortesão.
Do portal:
http://jornalplasticobolha.blogspot.com.

Duas viagens ao Brasil – Hans Staden

O autor foi prisioneiro de índios antropófagos.
- O local de prisão do autor é onde hoje se localiza a cidade de Ubatuba, em São Paulo.
- Há o relato de índios que estavam casados com até 14 mulheres.
- Os casamentos entre os índios são tratados ainda quando crianças.
-  Há o relato detalhado de um ritual antropófago.

                         A Literatura Catequética

Principais escritores jesuítas:

1-     Padre Manoel da Nóbrega
(1517-Minho-PT-1570 – Rio de Janeiro)

- Considerado o iniciador de nossa literatura.

Missionário jesuíta português, Padre Manuel da Nóbrega nasceu em 1517 e morreu no Rio de Janeiro em 1570. Se hoje já se tem visão crítica do que significou o dito "descobrimento" do Brasil e o concomitante processo "civilizatório" dos povos que habitavam essa terra, fatos que se tornam bárbaros aos olhos modernos, não se pode negar que os textos produzidos naquela época são o melhor testemunho não apenas dos eventos que deram origem ao que, no futuro, se tornaria o estado brasileiro, mas que, principalmente, revelam o pensamento político e religioso que estava na base de todo o colonialismo. Os escritos do Padre Manuel da Nóbrega formam um marco literário genuinamente produzido no Brasil. Nas cartas de Nóbrega encontra-se o início da história do povo brasileiro, dentro, é claro, do ponto de vista de um catequizador. Está ali, por exemplo, a luta entre cristãos e índios: os primeiros consideravam os segundos como "um papel branco" onde se podia escrever "as virtudes mais necessárias". Ainda que Nóbrega não tenha a estatura lírica de José de Anchieta, seu ‘Diálogo sobre a conversão do gentio’, primeiro texto em prosa escrito no Brasil, tem grande valor literário.

Diálogos sobre a conversão do gentio
- Primeiro texto de valor literário escrito em solo brasileiro.
- É o diálogo entre Gonçalo Alves e Nogueira sobre a conversão dos índios ao cristianismo.
-  Há discussões em torno da não escravidão indígena.
- O texto prega a idéia de igualdade entre todos, a partir da evangelização.

Carta ao padre mestre Simão Rodrigues de Azevedo – Manuel da Nóbrega

-  Escrito logo após a chegada dos padres jesuítas à Bahia.
-  Relata a situação problemática em torno dos habitantes cristãos que não confessavam há anos.
-  Registra que a nudez dos índios não era o principal problema, mas a convivência de cristãos com muitas esposas, dando maus exemplos aos nativos.

2 – José de Anchieta

 (1534- São Cristóvão de La Laguña – Tenerife – nas Ilhas Canárias – 1597 – Reritiba – hoje Anchieta – no Espírito Santo)
·  É o nosso principal nome desse período.
·  Chegou ao Brasil em 1553.
·  É o fundador da cidade de São Paulo.
· Fez poesia lírica, épica, peças de teatro (é considerado o fundador do teatro no Brasil) e uma gramática em língua tupi.
· Toda sua produção literária foi destinada à catequese dos índios.
Nasceu na ilha de Tenerife, uma das ilhas Canárias dominadas pela Espanha no final do século XV, a 19 de março de 1534, dia de São José, motivo de seu nome. Filho de próspera família, tendo por pais Juan de Anchieta e Mência de Clavijo y Llarena, teve a oportunidade de estudar desde a mais tenra idade, provavelmente com os dominicanos. Aos quatorze anos iniciou seus estudos em Coimbra, no renomado Colégio de Artes, orgulho do rei Dom João III.
Lá recebeu uma educação renascentista, principalmente filológica e literária.
Com 17 anos de idade ingressou na Companhia de Jesus, ordem fundada por Inácio de Loyola em 1539 e aprovada por meio da bula Regimini Militantis Eclesiae em 1540, pelo papa Paulo III. No ano de 1553, no final de seu noviciado, fez seus primeiros votos como jesuíta. Assim, acabavam seus temores de não poder permanecer na Ordem por ter sido acometido de uma doença ósteo-articular logo após seu ingresso.
Aconselhado pelos médicos de que os ares do Novo Mundo seriam benéficos para sua recuperação, foi enviado em missão para o domínio português na América.
Veio ao Brasil com a segunda leva de jesuítas, junto com a esquadra de Duarte da Costa, segundo governador-geral do Brasil. Em 1554 participou da fundação do colégio da vila de São Paulo de Piratininga, núcleo da futura cidade que receberia o nome de São Paulo, onde também foi professor. Exerceu o cargo de provincial entre os anos de 1577 a 1587.
Escreveu cartas, sermões, poesias, a gramática da língua mais falada na costa brasileira (o tupi) e peças de teatro, tendo sido o representante do Teatro Jesuítico no Brasil.
Sua obra pode ser considerada como a primeira manifestação literária em terras brasileiras. Contribuiu, dessa maneira, para a formação do que viria a ser a cultura brasileira.
De toda a sua obra, destacam-se a Gramática da língua mais falada na costa do Brasil, De Gestis Mendi de Saa, Poema da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, Teatro de Anchieta e Cartas de Anchieta.
A coleção de Obras Completas do Pe. José de Anchieta é dividida sob três temáticas: poesia, prosa e obras sobre Anchieta; a publicação prevê um total de 17 volumes.
José de Anchieta faleceu na cidade de Reritiba (atual Anchieta) na Capitania do Espírito Santo, em 9 de junho de 1597. Graças ao seu papel ativo no primeiro século de colonização do Brasil, José de Anchieta ganhou vários títulos, tais como: “apóstolo do Novo Mundo”, “fundador da cidade de São Paulo”, “curador de almas e corpos”, “carismático”, “santo”, entre outros.
Das suas contribuições culturais para o nosso país, podemos citar as poesias em verso medieval (destaque: Poema à Virgem), os que misturavam características religiosas e indigenas, a primeira gramática do tupi-guarani (a cartilha dos nativos), além da fundação de um colégio.
De acordo com o crítico Eduardo Portella, o trabalho de José de Anchieta deve ser entendido como uma manifestação da cultura medieval no Brasil, por conta de sua poesia simples e didática, da métrica e do ritmo por ele usados.
Além de Auto da Pregação Universal, Anchieta é considerado como sendo o autor de Na Festa de São Lourenço, também chamada de Mistério de Jesus e de outros autos.
                            Fonte: www.sampa.art.br

Textos: 

A Santa Inês
                         José de Anchieta
Cordeirinha linda,
como folga o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.

Cordeirinha santa
de Jesus querida
vossa santa vinda
o diabo espanta.

Por isso vos canta,
com prazer, o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.

Nossa culpa escura
fugirá depressa
pois vossa cabeça
vem com luz tão pura

Vossa formosura
honra é do povo
porque vossa vinda
lhe dá nume novo.

Poema à Virgem
Compaixão da Virgem na morte do filho
Por que ao profundo sono, alma, tu te abandonas,
e em pesado dormir, tão fundo assim ressonas?
Não te move a aflição dessa mãe toda em pranto,
que a morte tão cruel do filho chora tanto?
O seio que de dor amargado esmorece,
ao ver, ali presente, as chagas que padece?
Onde a vista pousar, tudo o que é de Jesus,
ocorre ao teu olhar vertendo sangue a flux.
Olha como, prostrado ante a face do Pai,
todo o sangue em suor do corpo se lhe esvai.
Olha como a ladrão essas bárbaras hordas
pisam-no e lhe retêm o colo e mãos com cordas.
Olha, perante Anás, como duro soldado
o esbofeteia mau, com punho bem cerrado.
Vê como, ante Caifás, em humildes meneios,
agüenta opróbrios mil, punhos, escarros feios.
Não afasta seu rosto ao que o bate, e se abeira
do que duro lhe arranca a barba e cabeleira.
Olha com que azorrague o carrasco sombrio
retalha do Senhor a meiga carne a frio.
Olha como lhe rasga a cerviz rijo espinho,
e o sangue puro risca a face toda arminho.
Pois não vês que seu corpo, incivilmente leso,
mal susterá ao ombro o desumano peso?
Vê como a dextra má finca em lenho de escravo
as inocentes mãos com aguçado cravo.
Olha como na cruz finca a mão do algoz cego
os inocentes pés com aguçado prego.
Ei-lo, rasgado jaz nesse tronco inimigo,
e c'o sangue a escorrer paga teu furto antigo!
(...)

A Santa Inês – José de Anchieta

São poemas de conteúdo bíblico, dedicados à Santa Inês -  mártir da Igreja Católica no século IV, decapitada por se negar a perder a virgindade.
- Os versos são redondilhos e recebe influências populares medievais.

Carta ao Padre Geral – 01.06.1560 – José de Anchieta

- A importância da carta reside nos detalhes sobre a o trabalho intenso de evangelização feito pelos Jesuítas.
- Indica que os padres também cuidavam do tratamento de doenças dos índios.
-  Percebe-se que muitos nativos não aceitavam as idéias cristãs.
-  Registra a prática do aborto e difusão do câncer uterino entre as índias.