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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A literatura precisa de um novo Oswald!

      Será inevitável procurar o espectro do autor modernista nas mesas de debates e nas mesas de bar da Flip. E surge a questão: existem hoje agitadores culturais como o escritor homenageado foi em seu tempo?
     Por Barbara Heckler e João Gabriel de Lima - Edição 167 - Julho 2011 – BRAVO!
Oswald de Andrade
     A Festa Literária de Paraty se compõe de mesas de debates durante o dia e mesas de bar à noite. É essa mistura entre conversas com conteúdo denso e boemia literária despreocupada que faz da Flip uma experiência apaixonante . Nesse caminho de mão dupla - do debate ao bar, do bar ao debate -, surgem os temas que se consagram como "os assuntos da Flip". Há dois anos, as conversas giraram em torno de Jayme Ovalle, um artista que não concebeu nenhuma obra importante, mas inspirou vários criadores - personagem curiosíssimo revelado em biografia do jornalista Humberto Werneck. No ano passado, causou controvérsia a participação de Fernando Henrique num ano eleitoral. Espirituoso como sempre, o ex-presidente zombou da polêmica, num debate sobre o pensador florentino Nicolau Maquiavel, autor do clássico O Príncipe: "A diferença entre mim e Maquiavel é que eu fui príncipe, e ele não". Risos gerais - e mais um "assunto da Flip". Neste ano de Oswald de Andrade, será inevitável procurar seu espectro de agitador cultural entre as mesas de debate e as de bar. Vários encontros falarão de figuras que, à semelhança do escritor paulista, incendiaram cenas culturais pelo mundo. Outros trarão escritores jovens que podem vir a ser agitadores culturais do futuro. Oswald de Andrade tem tudo para ser, ao mesmo tempo, o homenageado e o "assunto" da Flip. A busca pelo escritor pelas ruas de Paraty pode começar, por exemplo, na mesa 5, que tem entre os participantes o escritor norte-americano Michael Sledge. Em seu livro A Arte de Perder, ele narra, de forma vibrante e delicada, o relacionamento entre a poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979) e a urbanista brasileira Lota Macedo Soares (1910-1967). Elizabeth é uma das principais poetas de língua inglesa. Mas é Lota a figura que se destaca no livro. Ela era uma espécie de catalisadora universal na vida cultural carioca dos anos 50. Colocava em contato arquitetos como Oscar Niemeyer, poetas como Manuel Bandeira e políticos como Carlos Lacerda. Mais do que isso: promovia o intercâmbio entre eles e artistas de diferentes países, ela que frequentava o circuito cultural de Paris e Nova York. Lota era, como Oswald e a maior parte dos agitadores culturais, um ser intenso. Apaixonada por Elizabeth, apaixonada por cultura. Devoradora de livros e de novas tendências artísticas, era entusiasta do modernismo a ponto de construir uma casa em que pretendia fazer uma releitura da escola. Lota se suicidou no apartamento de Elizabeth quando teve certeza do fim da intensa história de amor que as duas viveram.
     O espectro de Oswald de Andrade pousará também na mesa 9, cuja estrela é o escritor e cineasta francês Claude Lanzmann. Famoso por Shoah, um longo filme sobre o Holocausto, Lanzmann vem à Flip na condição de autor d0 A Lebre da Patagônia. No livro de memórias, o autor faz um retrato da Paris cultural dos anos 60, onde viveram os dois agitadores culturais mais emblemáticos do século 20: a escritora Simone de Beauvoir (que foi namorada de Lanzmann) e o filósofo Jean-Paul Sartre. Eles movimentaram a época com ideias revolucionárias - simplificando bastante, o feminismo, do lado dela, e o existencialismo, do lado dele. Sartre e Simone eram tão protagonistas dessa Paris fervilhante que é difícil definir se eles sobressaíram tanto por viverem num período especial ou se esse período se tornou especial por causa deles. Até agora, falamos dos agitadores culturais do passado. E hoje? Existem figuras do porte de Oswald de Andrade, Lota Macedo Soares, Simone de Beauvoir ou Jean-Paul Sartre? Como bem observa o poeta gaúcho Eduardo Sterzi, que participa da mesa 15 - dedicada justamente à obra de Oswald de Andrade -, é difícil dizer. "É complicado mensurar a extensão histórica que os fenômenos da nossa própria época alcançarão", diz ele. O psicanalista Paulo Schiller, tradutor do húngaro e mediador de outra mesa da Flip, considera que vivemos uma época em que os artistas se preocupam mais com suas próprias obras do que em fomentar movimentos. "Acho até que há gente com essa competência por aqui, mas estão todos mergulhados em seus próprios trabalhos, buscando sobreviver." O poeta Sterzi faz outra observação pertinente: existe enorme diferença entre o ambiente em que Oswald viveu e o fenômeno cultural hoje, bem mais descentralizado - característica de um universo dominado pelas novas tecnologias, a internet e as redes sociais. O que permite refazer a pergunta de outro ponto de vista: o que seria, então, um agitador cultural na época da internet?
     Moda, Orquídeas e Cultura Nerd
     É o caso de refazer o caminho das mesas de debates para as mesas de bar, arriscando-se, entre os paralelepípedos molhados da estação chuvosa de Paraty, em busca da resposta.A mesa 6 , por exemplo, reunirá a escritora argentina Pola Oloixarac e o autor português, nascido em Angola, Valter Hugo Mãe. É até difícil defini-los como gente da literatura, de tão multimídia que são. Além de romancista laureado com o Prêmio Saramago, um dos mais importantes da língua portuguesa, Valter é editor, artista plástico e líder de uma banda chamada Governo. Como editor, realiza outra das funções do agitador clássico, que é a aproximação entre culturas. Foi dele a ideia de criar um livro de letras de Caetano Veloso - compositor de quem se tornou amigo pessoal - e de lançar em seu país a prosa de Adriana Calcanhotto. No caso de Pola, o reconhecimento literário não veio na forma de um prêmio, mas do elogio daquele que é talvez o principal escritor e crítico de seu país, Ricardo Piglia. Mas, como Valter, ela não se limita ao mundo das letras tradicionais. Como a querer se livrar de qualquer rótulo, cultiva dois blogs desconcertantes, um sobre assuntos em geral - o que inclui moda, filmes, livros e música - e outro sobre orquídeas. Canta numa banda chamada Lady Cavendish, cujas canções são compostas sobre poemas medievais. Cria polêmica em seu país ao denunciar o quanto a cultura argentina ficou escrava dos temas e traumas da ditadura militar, criando um ciclo repetitivo (no que tem total razão). E, em seu romance As Teorias Selvagens, recém-lançado no Brasil, faz um retrato - ora ácido, ora afetuoso - da cultura nerd.