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sábado, 31 de dezembro de 2011

Viúva de Tom Jobim fala sobre processos e homenagens


Ana Jobim vai a tribunal nos Estados Unidos para processar músico americano
Julio Maria – de O Estado de S.Paulo
Ana Jobim (dir) e sua filha Luiza
Ninguém pensou em fazer de 2012 um ano Tom Jobim, mas os astros parecem se posicionar para isso. Em 20 de janeiro, cinco dias antes da data em que o maestro completaria 85 anos, estreia A Música Segundo Tom Jobim, um filme de Nelson Pereira dos Santos e de Dora Jobim, neta do maestro - algo capaz de "fazer chorar e fazer sorrir", como define a viúva de Tom, Ana Jobim. Quase um mês depois, em 12 de fevereiro, Tom será homenageado pelo conjunto de sua obra durante a 54.ª edição do Grammy, em Los Angeles (em 1995, recebeu prêmio, póstumo, pelo álbum Antônio Brasileiro) . Steve Jobs será o outro lembrado pela revolução musical que criou nos meios digitais. E paralelo a tudo, em ares mais densos, Ana Jobim vai a um tribunal nos Estados Unidos tentar colocar fim a uma causa que há anos incomoda a família mais no peito do que no bolso. Norman Gimbel, compositor norte-americano que fez versões para um punhado de músicas de Jobim, incluindo Garota de Ipanema, tem recebido direitos autorais há anos pelas versões como se fosse o criador das músicas. "Há muita má-fé nisso. Ele nunca pisou em Ipanema", diz Ana, por telefone, dos Estados Unidos.
Tom Jobim não recebeu um Grammy em vida. Acha que o fato de ser homenageado agora é uma espécie de justiça póstuma?
Tom Jobim (foto: Ana Jobim)
Não, Tom morreu bastante reconhecido pelo mundo. O que acontece agora é que sua música ficou ainda mais consolidada, estudada nas escolas aqui, nos Estados Unidos. Ele virou um herói para muita gente. Engraçado que o presidente do Grammy (Neil Portnow) me ligou e disse: "Quando acontece essa homenagem, a família recebe uma carta. Mas, neste caso, quis ouvir sua emoção."
Como é ser a mulher de Tom Jobim? Imagina-se que a demanda de pedidos para regravações seja uma avalanche.
Quando um artista quer gravar uma música dele, não temos como dizer não. Mas tomamos muito cuidado com a imagem, não fazemos nada que possa ferir os ideais do Tom, algo que ele não faria por princípios.
Por exemplo?
Tom Jobim
Algo como propagandas de cigarro, que ele nunca fez na vida. E não digo isso agora porque o cigarro está proibido não, ele não fazia.
Mas Tom fumava muito, não?
Sim, mas quando nos casamos ele não fumava mais. Há uma cena no filme do Nelson Pereira dos Santos em que ele está cantando Girl From Ipanema com o cigarro nas mãos. Era o conceito da época, para ser bacana, charmoso.
Não teme que um pedido para uma regravação possa ser uma roubada?
Se a pessoa fizer um arranjo terrível, pior para ela (risos). No caso das versões em outras línguas, que acho até que é um caso de amor, pessoas pedem autorização para fazer versão até para idiomas nos quais já existem versões das músicas que estão pedindo. Francês e espanhol são os pedidos mais comuns. Os que mais me surpreendem são os que vêm da Noruega e da Suécia.
Discute-se muito sobre novas formas de trabalhar com direitos autorais. Há modelos que pretendem facilitar a liberação desses direitos. Acha um caminho?
Sim, é um caminho. A web é a mídia vigente, não temos como lutar contra isso. Mas o direito autoral é um patrimônio intelectual que tem de ser respeitado. As coisas têm de tomar seus devidos lugares, autor não pode ser esquecido, aquilo que você toca pertence a alguém. Acho que as coisas estão se ajeitando com a chegada do iTunes. Mudou o conceito. Um adolescente de 15 anos não pensa como a minha geração, o acesso às coisas para ele respeita um outro código, uma outra história.
O que achou do filme sobre Tom Jobim, prestes a estrear aqui no Brasil?
Tom Jobim em Nova Iorque
Foi um trabalho de pesquisa bem grande. A Dora dirige com o Nelson, o que foi um fator muito positivo, já que ele teve a oportunidade de estar bem perto de tudo. E ela conhece muito bem as coisas do Tom, por estar sempre pesquisando. Acho que ficou muito bom, a música fala por si. Não tem tradução, legenda, nada. As pessoas cantam, isso torna tudo muito emocionante, você vê a quantidade de pessoas que a música dele tocou. Não tinha me lembrado de que ele faria 85 anos em janeiro, isso está acontecendo naturalmente. E o filme deixa tudo mais comovente, você chora, você ri.
Você estará no Brasil para a estreia?
Não, vou ficar aqui este mês inteiro, tenho assuntos relacionados não só ao Grammy, mas ao que vai acontecer em Los Angeles em fevereiro.
E o que vai acontecer?
Tem uma causa aqui que já está andando há anos, uma questão com relação a um versionista americano, um processo.
Imagino que relacionado a direitos autorais...
O versionista no caso (Norman Gimbel) se considera um autor original de umas seis músicas de Tom Jobim e Vinícius de Morais para as quais ele fez versões (incluindo Garota de Ipanema). Ele chega a autorizar versões de suas versões (e a ganhar por elas). O nosso processo é contra a Universal Music Publishing (que edita tais músicas).
As versões que ele fez foram autorizadas por vocês?
Sim, tudo certo, mas criou-se um impasse. Existe uma lei aqui, nos Estados Unidos, que diz que, depois de 28 anos de copyright, esse direito deve voltar para o autor. Só que, no caso, os direitos dessas músicas ficaram para o versionista, como se ele tivesse feito a música original. Ele é versionista, mas se considera um grande autor. Ele nunca foi a Ipanema. É de uma esperteza e de uma má-fé...
Acha que podem ganhar o caso logo?
É um caso importante e difícil porque o que tem de autor brasileiro que vem para os Estados Unidos, edita músicas aqui e vê sua obra mais nas mãos dos versionistas do que outra coisa. Falo isso em termos de divisão de royalties mesmo, não dá para entender. Essa batalha é difícil porque será um grande precedente se eles perderem a briga. O que viria atrás (em processos) não seria bom para eles.
E vocês devem subir muito a guarda para pedidos de versões.
Sim, claro. Quando falo que é um caso de amor, penso mesmo que alguns queiram se tornar parceiros dos ídolos que eles amam. Mas isso gera tanta confusão que nossa tendência é não autorizar mesmo. A gente já ganhou boas causas, mas a Justiça aqui é muito complicada. Não existe essa questão de ganhos morais, a questão é toda dinheiro. Se o cara acertar o que ele deve (financeiramente), esse argumento moral fica enfraquecido. Então, temos de fazer auditorias para provar que existe dano financeiro, mas nossa questão não é apenas financeira, é de apropriação indevida. Mas a cabeça dos juízes aqui funciona assim, é a mentalidade americana, dinheiro e ponto. Só posso ser lesado se o cara não me pagar.
Quais serão os próximos passos nisso?
A gente vai ter aqui uma mediação em Los Angeles com um desembargador ou um juiz. Ficam as partes lá propondo um acordo e a autoridade vai levando as propostas de um para o outro. Se a gente chegar a algum acordo, ótimo, é o que queremos.
E isso responde à pergunta se é difícil ser mulher de Jobim.
Eu, Ana, só entrei nisso porque era como se fosse assim... uma coisa pelo Tom. Sei o que ele pensava, sei como ele procedia.
E sabe que ele estaria p...da vida com isso.
Sei sim. É o seguinte: eu alugo minha casa pra você e você vende minha casa, que tal?

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Vem aí Prosa Poética Impura, de Maurício Ramonnd



Segredos eternos de Marília de Dirceu


Estudos põem em dúvida se Maria Doroteia, ou a Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, se manteve fiel ao amado até o fim de seus dias
Marília de Dirceu entre o mito e a realidade
Ana Jardim - do portal da Revista de História.
Esta é a história de uma moça muito jovem, seduzida por um forasteiro português com poemas de amor numa terra onde brotava o mais puro ouro, no Brasil do século XVIII. Uma semana antes do casamento, a rainha mandou prender o poeta e seus companheiros que lutavam pela liberdade. A moça esperou para sempre a volta do seu príncipe. Bem, essa, pelo menos, é a história que sempre nos contaram.
No dia 23 de maio de 1789, Maria Doroteia Joaquina de Seixas (1767-1853) foi deixada para trás pelo noivo, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), preso por participação na Inconfidência Mineira, e nunca mais tornou a vê-lo. Mas será que ela se manteve fiel até o fim da vida? Antes de completar um ano de degredo, Tomás já estava casado em Moçambique com a filha de um rico comerciante. Maria Doroteia, famosa por inspirar o livro Marília de Dirceu (1792), permaneceu em Vila Rica, hoje Ouro Preto. Não se casou nem teve filhos que reconhecesse como legítimos. Mas alguns vestígios trazem revelações sobre a vida da musa da Inconfidência Mineira.
Diferentemente das esposas de outros inconfidentes deixadas para trás com filhos para criar ou bens para reclamar, Maria Doroteia ficou solteira e condenada a viver à sombra da imagem poética criada por Tomás Antônio Gonzaga. Eternamente leal ao amor cantado nos versos de Marília de Dirceu.
Ela nasceu em Vila Rica. Foi batizada na Matriz de Nossa Senhora do Pilar no dia 8 de novembro de 1767 com o mesmo nome de sua mãe. Seu pai, Baltazar João Mayrink, era capitão do Regimento de Cavalaria Regular. Tinha dois irmãos mais novos, José Carlos Mayrink, que viria a ser senador do Império, e Francisco de Paula Mayrink, tenente-coronel de Cavalaria, e duas irmãs: Anna Ricarda de Seixas Mayrink e Emerenciana Evangelista de Seixas Mayrink, casadas com militares. Órfãos de mãe ainda crianças, Maria Doroteia e os irmãos ficaram aos cuidados do tio e de tias.
Tomás A. Gonzaga
Tomás Antônio Gonzaga nasceu no dia 11 de agosto de 1744 na cidade do Porto, em Portugal. Seu pai era o magistrado João Bernardo Gonzaga, natural do Rio de Janeiro, e sua mãe era Tomásia Isabel Clarque, nascida no Porto. Tomás ficou órfão de mãe em maio de 1745 e foi entregue aos cuidados de tios. Veio morar no Brasil ainda menino com o pai, que tomou posse em 1752 do cargo de ouvidor-geral da Capitania de Pernambuco. Tomás seguiu para a Bahia, onde estudou no Colégio dos Jesuítas até 1759, quando a Companhia de Jesus foi expulsa do Brasil pelo marquês de Pombal. Em 1761, ele retornou a Portugal para estudar na Universidade de Coimbra. Em 1768, colou grau de bacharel em Leis e se transferiu para a cidade do Porto, onde exerceu a advocacia.
Maria Doroteia era uma moça de 15 anos quando Tomás Antônio Gonzaga veio de Portugal para Vila Rica a fim de assumir o cargo de ouvidor, no fim de 1782. No século XVIII, não era costume as moças e mulheres de famílias distintas saírem desacompanhadas. Por isso, é bem provável que o quase quarentão Gonzaga tenha conhecido e ganhado intimidade com Maria Doroteia enquanto frequentava a casa do seu tio, Bernardo da Silva Ferrão, chefe de considerada família da capital de Minas Gerais. O convidado se enamorou da sobrinha do seu amigo advogado. Uma moça belíssima, pelo retrato que dela fez o poeta.
Naquelas longínquas paragens do Brasil colonial, Gonzaga compôs muitas liras para seduzir sua musa, dando a ela o nome poético de Marília e chamando a si mesmo de Dirceu.

Ando já com o juízo,
Marília, tão perturbado,
Que no mesmo aberto sulco
Meto de novo o arado.
Aqui no centeio pego,
Noutra parte em vão o cego;
Se alguém comigo conversa,
Ou não respondo, ou respondo
Noutra coisa tão diversa,
Que nexo não tem menor.
Que efeitos são os que sinto?
Serão efeitos de Amor?

Minha Marília,
Se tens beleza,
Da natureza
É um favor.
Mas se aos vindouros
Teu nome passa,
É só por graça
Do Deus do amor,
Que, terno, inflama
A mente, o peito
Do teu pastor.

Mesmo diante de sentimento tão arrebatador, algumas questões curiosas pairam no ar. Uma delas é que em 1786 Tomás foi nomeado desembargador da Relação da Bahia, e não é compreensível a presença dele em Minas Gerais ainda em 1789, quando a Inconfidência Mineira foi denunciada. Por que não se casou e foi assumir o seu cargo na Bahia durante todos esses anos? A explicação pode ter relação com seu envolvimento na conspiração contra a Coroa portuguesa. E se Tomás demorou tantos anos no namoro, por que marcou seu casamento às pressas quando soube que estava ameaçado de prisão? O movimento foi denunciado por Joaquim Silvério dos Reis em 15 de março de 1789. Em 20 de abril, Gonzaga procurou o visconde de Barbacena, governador de Minas, e pediu licença para casar-se no dia 30 de maio. O governador concordou e Gonzaga ficou tranquilo, acreditando que, com a desculpa de que estava ocupado com o casamento, escaparia da acusação de participar do movimento.
Quando os inconfidentes foram denunciados e presos em maio de 1789, Maria Doroteia tinha 21 anos, e o namoro com Tomás já devia ter cerca de seis.  Ele passou ainda três anos preso no Rio de Janeiro, aguardando julgamento antes de ser deportado. Durante esse período, escreveu na masmorra a segunda parte dos poemas dedicados à musa Marília.

Nesta cruel masmorra tenebrosa
Ainda vendo estou teus olhos belos,
A testa formosa,
Os dentes nevados,
Os negros cabelos.

 Em sentença de 20 de abril de 1792, Tomás Antônio Gonzaga foi condenado a dez anos de degredo em Moçambique. Partiu do Brasil no dia 23 de maio e chegou a seu destino no final de julho. Ele refez sua vida, e no depoimento para se casar, no dia 9 de maio de 1793, com Juliana de Souza Mascarenhas, declarou “que nunca dera palavra de casamento a pessoa alguma”. Com a esposa Juliana teve dois filhos: Ana e Alexandre Mascarenhas Gonzaga. Adoeceu no final de 1809 e morreu em Moçambique no início de 1810.
Maria Doroteia continuava em Minas Gerais. A esta altura, tinha 42 anos e já vivera muitas experiências na sua vida sem Tomás. Em algum momento, é provável que os fatos mais importantes chegassem ao seu conhecimento, como o casamento do ex-noivo ou sua morte. Durante sua vida longa, ocupou-se de assuntos da casa, obrigações religiosas, demandas da família, realização de testamentos e inventários, bordados, trabalhos domésticos e toda sorte de atividades atribuídas às mulheres. Sobreviveu a vários parentes e entes queridos, como seu pai, o tio e as tias que a criaram. Mesmo sendo a mais velha, foi a última dentre seus irmãos a falecer. O abandono e o envelhecimento de Maria Doroteia repetem na mulher a sina de uma Vila Rica já quase abandonada. Foram as duas escasseando do ouro, da beleza, do tempo, da juventude, e se preservando do assédio dos olhares externos.
 A fama dos poemas do livro Marília de Dirceu se espalhava. Entre 1792 e 1810, ele foi reeditado sete vezes. A família real portuguesa já estava vivendo no Brasil havia dois anos, e a edição de Marília de Dirceu de 1810 foi a primeira a ser publicada no Brasil pela Imprensa Régia. A constante reedição do livro fazia com que a fama da personagem Marília se propagasse e muitas pessoas fossem a Vila Rica procurá-la. Queriam ver a mulher que inspirara o gênio poético de Gonzaga. Uma popularidade que talvez soasse estranha para Maria Doroteia: ser reconhecida por poemas escritos tanto tempo antes e por um amor que não se concretizara.
Com a morte do tio, Maria Doroteia se tornou herdeira e testamenteira. No inventário de 1820, ele aparece como o “Exmo. Marechal de Campo João Carlos Xavier da Silva Ferrão”.  O tio deixou para ela todos os bens. O principal foi a casa em que vivia, no Largo do Antônio Dias, em um terreno amplo. Ali ela passou praticamente toda a sua vida. Da antiga casa do ouvidor, onde Tomás morou quando chegou a Vila Rica, resta ainda uma perfeita visão, até hoje conhecida como a casa de Marília, alimentando a imaginação das pessoas. Outro prédio foi construído no local, abrigando atualmente a Escola Estadual Marília de Dirceu.
Em 1836, com 69 anos, ela providenciou e assinou seu testamento, que o tabelião aprovou em 16 de maio de 1840. Dele constam como seus testamenteiros e herdeiros Dona Francisca de Paula Manso de Seixas, que vivia com ela, e o Sr. Anacleto Teixeira de Queiroga, residente no Rio de Janeiro. Maria Doroteia era madrinha de batismo de Anacleto, mas alguns autores afirmam que ele era filho ilegítimo dela com um homem chamado Dr. Queiroga. Essa história gerou polêmica entre pesquisadores e descendentes da família de Maria Doroteia. Uns brigando para manter intacta a imagem de pureza e virgindade da mulher que se tornou a musa da Inconfidência Mineira; outros, pelo direito da mulher de reconstruir sua vida com outro homem.
O debate registrado em livros só teve início alguns anos depois da morte. O viajante inglês Richard Burton, em Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, publicado pela primeira vez em Londres em 1869, relata que lhe foi contado que “um certo Dr. Queiroga, Ouvidor de Ouro Preto, teve a honra de suplantar o poeta Gonzaga, mas não com ternura legalizada. Em Ouro Preto ela é hoje, talvez, mais conhecida como a Mãe do Dr. Queiroga”, que seria Anacleto.
A informação foi contestada posteriormente por Thomaz Brandão, um primo em quarto grau de Maria Doroteia. Em 1932, ele publicou um livro também chamado Marília de Dirceu. A primeira preocupação do livro é assegurar que ela morreu donzela. O primo afirma que Anacleto era filho do Dr. Queiroga com Emerenciana, e que a irmã caçula de Maria Doroteia teria passado toda a gravidez na fazenda de sua irmã Anna Ricarda. Quando o filho nasceu, foi deixado na porta de um casal de amigos, que o criou como enjeitado, e Maria Doroteia o batizou. A madrinha teria amparado a criação de Anacleto desde a infância.
 É certo que Maria Doroteia também poderia ter ocultado uma gravidez e deixado o filho na porta dos amigos, batizando o menino posteriormente. No mesmo período, ela também andava pelos lados da fazenda, distante dos olhares curiosos de Vila Rica, segundo o próprio primo vigilante da honra deixa escapar. Mas tudo são suposições de versões conflitantes que, embora precisem ser conhecidas, jamais poderão ser apuradas, pois repousam no baú dos segredos familiares.
Avançando um pouco no tempo, encontramos no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, na edição de 18 de janeiro de 1893, uma nota de falecimento: “Faleceu o major Pedro Queiroga, neto de Marília de Dirceu, vítima de lesão cardíaca.” A nota do final do século abre mais lacunas onde não foram fechadas as anteriores.
Maria Doroteia morreu aos 85 anos, no dia 10 de fevereiro de 1853. Morava com Francisca na casa herdada do tio. Em seu testamento, deixou algumas missas encomendadas para sua alma e um último pedido: ser sepultada na Igreja de São Francisco de Assis. O pedido não foi atendido, pois foi sepultada na Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
A notícia da morte foi publicada no Marmota Fluminense – Jornal de Modas e Variedade, em nota assinada pela prima e poetisa Beatriz Francisca de Assis Brandão, que diz: “Maria Dorothéa era dotada de espírito vivo e elegância natural; tinha bons ditos, respostas prontas e adequadas; lembranças felizes, que faziam apreciável sua conversação, sempre adubada desse sal ático, que também a fazia muitas vezes temível, quando propendia para o sarcasmo, que praticava com a maior graça e firmeza”. Vemos ampliar-se à nossa frente a imagem de Maria Doroteia, diferenciando-a daquela frágil e singela musa do poeta inconfidente. A prima descreve uma mulher de força e atitudes próprias. Parece bem mais interessante vislumbrar a ideia de que Gonzaga teria se apaixonado por uma mulher inteligente, além de bela, firme, além de graciosa.
Com Maria Doroteia sucedeu o mesmo que ocorre com os mitos: a morte serve para fortalecê-los. É realmente difícil resistir ao brilho fulgurante do mito dentro da história. Sua proporção e seu volume crescem quanto mais questões indefinidas pairam sobre sua história, reverberando e propagando-os infinitamente.
A propagação do livro Marília de Dirceu ultrapassou o período do Romantismo. Em 1944, o presidente Getulio Vargas repatriou os restos mortais dos inconfidentes. Em 1955, os restos mortais de Maria Doroteia foram retirados da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e levados para o Museu da Inconfidência, com o objetivo de ficarem com os de Gonzaga. Lá permanecem para apreciação pública. Finalmente juntos os personagens líricos Marília e Dirceu.
 Em julho passado, a prefeitura de Ouro Preto inaugurou um busto de bronze dedicado a Marília de Dirceu. Colocado na antiga Casa do Ouvidor, tem duas faces indefinidas e, no peito, o “Sonoro passarinho,” mensageiro do amor de Tomás Antônio Gonzaga para sua musa.

Meu sonoro Passarinho,
Se sabes do meu tormento,
E buscas dar-me, cantando,
Um doce contentamento,
Ah! não cantes, mais não cantes,
Se me queres ser propício;
Eu te dou em que me faças
Muito maior benefício.
Ergue o corpo, os ares rompe,
Procura o Porto da Estrela,
Sobe à serra, e se cansares,
Descansa num tronco dela,
Toma de Minas a estrada,
Na Igreja nova, que fica
Ao direito lado, e segue
Sempre firme a Vila Rica.
Entra nesta grande terra,
Passa uma formosa ponte,
Passa a segunda, a terceira
Tem um palácio defronte.
Ele tem ao pé da porta
Uma rasgada janela,
É da sala, aonde assiste
A minha Marília bela.
Para bem a conheceres,
Eu te dou os sinais todos
Do seu gesto, do seu talhe,
Das suas feições, e modos.
O seu semblante é redondo,
Sobrancelhas arqueadas,
Negros e finos cabelos,
Carnes de neve formadas.
A boca risonha, e breve,
Suas faces cor-de-rosa,
Numa palavra, a que vires
Entre todas mais formosa.
Chega então ao seu ouvido,
Dize, que sou quem te mando,
Que vivo nesta masmorra,
Mas sem alívio penando.

O culto aos mitos não tem fim. Maria Doroteia morreu, mas Marília é imortal.

Ana Jardim é professora de Arte no Cefar – Fundação Clóvis Salgado e coautora de Marília de Dirceu?  (Edição do autor, 2007).

Uma década sem Cássia Eller


Cantora morreu em 29 de dezembro de 2001, quando vivia a melhor fase da carreira.  Cássia Eller é homenageada com caixa de CDs e na TV
Pedro Antunes - Jornal da Tarde.
Cássia Eller (Foto: Wilton Junior/AE)
Eram 18h quando uma multidão formada por 85 mil pessoas assistiu àquela mulher subir no palco, com uma faixa no cabelo, acompanhada por seu inseparável violão. O ano era 2001. Cássia Eller, aos 39 anos, estava no auge. Ela abria a segunda noite da terceira edição do Rock in Rio com a missão de tocar rock - no dia anterior, Gilberto Gil, James Taylor e Sting tiveram seu apelo, mas falharam no quesito roqueiro. Meio travessa, meio ensandecida, a cantora não poupou esforços para fazer valer o rock que dá nome ao festival. Até os seios mostrou. Fez versões pesadas de "Partido Alto", de Chico Buarque, a "Come Together", dos Beatles. Contou com a participação especial da Nação Zumbi, para dar o tempero brasileiro na festa toda, que, naquela noite, teve também Fernanda Abreu, Barão Vermelho, Beck, Foo Fighters e R.E.M.
Dez anos depois, o festival voltou ao Rio. Mas Cássia, não. No fim daquele ano, em 29 de dezembro, há exatos 10 anos e dois dias antes de se apresentar na virada de ano na Barra da Tijuca, a carioca não resistiu a um fulminante enfarte do miocárdio - as suspeitas do uso de cocaína e álcool foram rechaçadas pelos médicos legistas. O mundo perdia aquela que talvez só fosse uma garotinha crescida. Cássia Eller se foi quando vivia a melhor fase da carreira. Além do show irrepreensível no Rock in Rio, em 2001, a cantora lançou o seu mais rentável disco, "Acústico MTV", que vendeu 1,1 milhão de cópias. Foram 95 apresentações em um ano.
Para lembrar uma década sem Cássia Eller, a MTV - que, aos poucos, volta a focar no melhor da sua programação, ou seja, na música - dedicará 24 horas da sua grade a ela. Das 7h de hoje até 7h de amanhã, serão exibidos o Acústico e o programa Luau MTV, gravado pouco antes de sua morte e exibido apenas em 2002, além de outros programas e entrevistas. Tributo maior, no entanto, vem da gravadora Universal, ao colocar nas lojas o box "O Mundo Completo de Cássia Eller", uma compilação com seus seis discos de estúdio, de "Cássia Eller", de 1990, ao póstumo "Dez de Dezembro", lançado no ano seguinte à sua morte. Há também dois discos ao vivo, o Acústico e um DVD, "Violões", uma reunião de suas aparições em programas da TV Cultura entre 1990 e 1999. É a melhor maneira de conseguir entender como funcionou a meteórica carreira de Cássia Eller. Do som cru, uma voz ainda vacilante. Era mais rock, menos violões. Mais gritos, menos melodias. Ainda assim, logo a cantora chamou a atenção. O ponto de mudança veio em "Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo", de 1999. Graças ao filho Chicão, que disse que ela mais berrava do que cantava. Rapidamente, Cássia se tornava pop, suave, sem perder sua ousadia. 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Sucesso do filme mudo "The Artist" surpreende até o diretor


STUART JEFFRIES - do "GUARDIAN"
"Quando primeiro falei às pessoas de minha ideia para este filme, riram de mim", conta Michel Hazanavicius. "Amigos, atores, produtores --todos riram. Eles diziam 'ok, ok, mas o que você quer fazer de verdade?'." O problema era que Hazanavicius queria fazer um filme mudo, 70 anos depois de o cinema falado ter tornado os filmes mudos comercialmente obsoletos e esteticamente ultrapassados. É verdade que já houve alguns diretores que fizeram filmes mudos de vanguarda (o canadense Guy Maddin, por exemplo), mas Hazanavicius não era dessa estirpe. "Eu queria fazer um filme comercial charmoso. Mas ninguém achou que o mercado estivesse preparado para isso. Os produtores disseram 'ninguém quer ver um filme assim'." Mas as pessoas querem, sim. O filme sempre charmoso e inventivo que Hazanavicius criou, "The Artist" --sobre um astro de Hollywood dos anos 1920 que é eclipsado pelo cinema falado e pela jovem dançarina por quem se apaixona-- está seduzindo as plateias internacionais. "Eu não sabia disso, mas existe algo chamado o índice de satisfação. Quando o filme estreou em Paris, as plateias reportaram índice de satisfação de 95%, sendo que 80% relatou alto nível de satisfação. Em Paris! Geralmente as plateias de cinema francesas não expressam nada. Com certeza não satisfação." Além disso, "The Artist" conquistou os críticos, deu a seu astro, Jean Dujardin, o prêmio de melhor ator em Cannes, e, ao que parece, reacendeu de tal maneira o sentimento de amor ao cinema do magnata de Hollywood Harvey Weinstein que ele comprou os direitos do filme para os EUA e o lançou em novembro nesse país, um timing que sem dúvida assinala a intenção do produtor de lançar uma investida ao Oscar. Hazanavicius está feliz. "É muito bom estar falando com você, mas até isto daqui já supera meus sonhos mais loucos." Estamos conversando em uma suíte do hotel Dorchester, em Londres, enquanto em salas adjacentes Dujardin e a mulher de Hazanavicius, Bérénice Bejo, estão sendo entrevistados por multidões de cinéfilos --o tipo de cenário de relações-públicas que acompanha a divulgação de um blockbuster de Hollywood. "Nunca imaginei que este filme seria feito, e com certeza nunca imaginei que atraísse tanta atenção." E os Oscar? "É fantástico, porque não sei ao certo se existe algum caso de um filme francês ir para o Oscar fora da categoria de filme em língua estrangeira. Imagine se ele ganhasse! Mas, para mim, basta saber que estão prevendo que sejamos indicados. Mesmo isso já é uma grande coisa. Agora estou achando que tudo é possível." Se "The Artist" de fato triunfar nos Oscar, será em parte porque o filme de Hazanavicius é uma carta de amor de Paris a Hollywood, depois de décadas durante as quais o amor foi todo no sentido contrário. Há no filme, por exemplo, um lindo sapateado com os dois protagonistas, que é uma espécie de resposta tardia às cenas de Gene Kelly sapateando nos bulevares parisienses 60 anos atrás em "Sinfonia em Paris". "Sou um francês incomum: não tenho absolutamente nada contra os Estados Unidos", diz o diretor. "Os franceses são estranhos quando se trata dos Estados Unidos, eu acho." Em nenhum lugar isso é mais verdade que em sua atitude em relação a Hollywood, digo eu. As queixas de Jean-Luc Godard contra Steven Spielberg são típicas do escárnio esnobe francês, e, enquanto os autores da nouvelle vague francesa criaram arte, Hollywood criava produtos. "É um relacionamento altamente incestuoso", diz Hazanavicius, "porque há tanto repulsa quanto atração. Mesmo os diretores da Nouvelle Vague, como Godard, admiravam John Ford, Alfred Hitchcock, Anthony Mann, Howard Hawks - muitos diretores de Hollywood eram considerados autores. Acho que há uma contradição presente." Maravilha. Mas por que Hazanavicius quis arriscar o suicídio comercial e o escárnio da crítica, fazendo um filme mudo? O diretor de 44 anos é mais conhecido por dois filmes franceses, sucessos comerciais, que parodiam os filmes de espionagem: "Agente 117 - Uma Aventura no Cairo" e sua sequência, "Lost in Rio", que fazem pelos serviços de segurança da França o que "Johnny English" fez pelos britânicos. Mas Hazanavicius diz que havia tempo queria ser mais que criador de pastiches parisiense e fazer um filme que encarnasse seu amor pelo cinema mudo. Não a comédia de pastelão de Harold Lloyd, Buster Keaton ou Charlie Chaplin, mas um filme que ecoasse as conquistas de seus diretores favoritos do cinema mudo: Murnau, Pabst, Von Stroheim, Lang e King Vidor. "Não era o pastelão que significava tanto para mim, eram os melodramas. O que eu queria era compartilhar a experiência sensual que eu tinha quando estava no cinema assistindo a 'Aurora', de Murnau." O diretor conta que, quando era garoto, seu avô o levava ao cinema Max Linder, no Boulevard Poissonière, que exibia filmes mudos nos sábados e quartas-feiras. Mais tarde, ele viveu num apartamento no mesmo edifício do cinema, como que gravitando em torno de seu primeiro amor. Sua primeira mulher e seus dois filhos ainda vivem no apartamento. Mas foi na cinemateca, do outro lado da cidade, que ele realmente aprendeu sobre o cinema mudo. "Fui um ladrão", diz Hazanavicius. "Roubei o formato e fiz um filme moderno com ele." Quando decidiu fazer "The Artist" e convencer um produtor, Thomas Langmann, a contribuir com parte do orçamento de US$ 12 milhões (cerca de R$ 22,3 mi) com dinheiro de seu próprio bolso, ele tinha várias ideias diferentes como tramas possíveis. Em uma delas, a história de seu herói acontecia em Berlim. "Gostei realmente disso, porque eu poderia evocar o cinema expressionista alemão e traçar um paralelo entre a chegada do som e a chegada dos nazistas ao poder. Mas, por uma questão de cortesia com o público, decidi não fazer isso. Um filme mudo, em preto e branco, francês - e com nazistas? Teria sido demais." Ao invés disso, "The Artist" trata de George Valentin, um astro do cinema mudo de Hollywood inspirado em Douglas Fairbanks, cuja carreira decai com a chegada dos filmes falados. Mas Valentin não é uma Gloria Swanson, e o filme não é uma tragédia. Ao invés disso, é um romance. Valentin se liga à estrela em ascensão Peppy Miller, papel que é feito pela segunda esposa de Hazanavicius, a atriz francesa, mas nascida na Argentina, Bérénice Bejo.
Como se faz um filme mudo em 2010? Afinal, os estúdios estão equipados para filmes em 3D, os atores são programados para decorar falas, e dificilmente se vê uma orquestra ser convidada para tocar a trilha sonora do filme ao vivo num fosso abaixo da tela do cinema. "Não é tão difícil assim", diz Hazanavicius. "Não existe um estilo de atuação próprio do cinema mudo." Mas Dujardin teria se sentido perdido, inicialmente, porque costuma encontrar-se em um papel por meio da voz do personagem. "Sim, ele ficou muito confuso num primeiro momento porque não sabia como se preparar. Uma coisa que ajudou foi tocar música no set que transmitisse aos atores o clima de cada cena. Usei muitos grandes compositores clássicos de Hollywood --Hermann, Bernstein, Korngold, Waxman, música de filmes como 'Crepúsculo dos Deuses' ou 'Laura' - para transmitir aos atores o clima que eu buscava." Rodar um filme mudo também teve benefícios para a equipe técnica, em sua maioria americana: ela não precisava manter silêncio depois de Hazanavicius gritar "ação!". Os treinadores de Uggy, por exemplo, o cãozinho que é o companheiro fiel de Valentin, podiam gritar instruções durante as filmagens, sabendo que suas ordens de "senta!" ou "se faça de morto!" não seriam ouvidas no filme final. Ninguém esperava que "The Artist" fosse um sucesso, mas é, e por isso vem servindo a Hazanavicius como cartão de visitas em Hollywood. "Agora estão me mandando roteiros de filmes de época, como se é isso que eles acham que eu faço. Se pensam que é só isso o que eu faço, mudarei. Só sei que a melhor maneira de fazer merda é repetir o que você já fez, como se seguisse uma receita." Mas uma das ofertas que ele recebeu veio do chefe de ficção da HBO. "Ele disse que gostou de 'The Artist' e que ficaria feliz se eu tivesse uma ideia para um seriado. Vindo do pessoal que fez 'The Sopranos', que para mim está no nível de Dostoiévski, isso é muito lisonjeiro." Sugiro que "The Artist" deve ter feito maravilhas pela reputação de Hazanavicius. "Não me importo com minha reputação. As pessoas pensavam em mim como parodiador, mas também sou coautor de um documentário sobre o genocídio de Ruanda. Não sou esse sujeito neandertal que faz apenas um filme bom, embora isso já seja suficientemente difícil. Tenho apenas uma obsessão: não ser entediante." "The Artist" chega aos cinemas em 30 de dezembro.
Tradução de Clara Allain – do caderno ILUSTRÍSSIMA – da FOLHA DE SÃO PAULO.