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sexta-feira, 11 de maio de 2012

Roteiro de viagem: MACHU PICCHU


Haroldo Castro viaja como jornalista,
fotógrafo e conservacionista.
O fundador do Clube de Viajologia
visitou 138 países.
Esta foi sua 24ª viagem ao Peru

Fortaleza inca no alto dos Andes Eleita uma das Sete Novas Maravilhas do Mundo, a cidadela inca continua a surpreender visitantes - mas seu estado de conservação demanda cuidados
Texto e fotos: Haroldo Castro – da Revista PLANETA – edição 432.
Machu Picchu é o maior tesouro que os incas deixaram ao Peru moderno. O lugar rende mais riquezas do que ouro que os conquistadores derreteram e levaram para a Espanha. Por ano, o santuário histórico movimenta cerca de US$ 150 milhões e recebe 500 mil visitantes!
Pode parecer clichê, mas o lugar é mesmo espetacular. Já estive oito vezes em Machu Picchu e nunca senti que havia perdido a viagem. Sempre encontro algo diferente. Entretanto, chegar de trem e de ônibus apinhado de turistas – como fazem 90% dos visitantes – é, no mínimo, banal. Por isso, dessa vez, preferi suar um pouco e conquistar Machu Picchu a pé!
À esquerda, o Templo das Três Janelas, cuja função seria a de marcar os solstícios e
os equinócios. Na foto ao centro, as begônias rosas, flor endêmica da região.
À direita, o Intihuatana de Machu Picchu, fotografado antes de ter tido sua ponta
fraturada por um acidente durante a produção de um comercial de cerveja.
Havia uma vasta rede de caminhos por todo o território inca. Várias trilhas ainda existem e uma delas leva até Machu Picchu. Junto a outros andarilhos, desço do trem no km 104. Atravessamos o caudaloso rio Urubamba e damos início a nossa jornada a 2.150 metros de altitude, nas ruínas de Chachabamba.
A chamada Trilha Inca atravessa montanhas, vales e até florestas. Seus 35 quilômetros são percorridos em quatro dias. Mas a opção que escolhi é o caminho de apenas um dia, uma alternativa à trilha completa. Mesmo assim, são sete quilômetros de encostas para chegar às ruínas de Wiñay Wayna e mais outros seis quilômetros até Machu Picchu.
Wiñay Wayna significa em quéchua “sempre jovem”. A 500 metros de altitude acima do rio Urubamba, é a etapa de descanso antes de chegar a Machu Picchu. Nesse ponto, nosso caminho junta-se com a trilha de quatro dias. Aqueles que atingiram Wiñay Wayna percorreram três dias de sobe-e-desce. Cruzaram montanhas, venceram desfiladeiros e passaram pelo ponto mais alto da trilha, Warmiwañusca, a 4.200 metros.
Percorri a Trilha Inca completa de quatro dias em 1978. Na época, não existia nenhuma infra-estrutura ou segurança. Apenas os mais atrevidos ousavam encarar as subidas e descidas íngremes. Com as décadas, o caminho tornou-se tão popular que milhares de pessoas passaram a usar a trilha. O impacto dessa massa de caminhantes foi violento. Toneladas de lixo foram deixadas pelos turistas. O movimento provocou erosão em alguns trechos e ameaçou a integridade de várias ruínas arqueológicas.
O governo peruano precisou intervir e impor restrições. Agora é necessário ter uma autorização para percorrer o caminho e, no mínimo, US$ 400 para cobrir os gastos. Quinhentas pessoas, incluindo as equipes de apoio, podem iniciar o caminho a cada dia. E, para poder estar entre os escolhidos, é necessário reservar lugar com três meses de antecedência.
O momento culminante da Trilha Inca é a chegada em Inti Punku, a Porta do Sol, entrada original de Machu Picchu. Acredita-se que esse acesso não era uma via comercial, mas um percurso cerimonial. Era considerado uma peregrinação, onde cada etapa incluía rituais, inclusive para os Ápus, as montanhas sagradas.
Depois de mais de seis horas de caminhada, a nossa recompensa é uma visão grandiosa. Dá para entender o impacto que Machu Picchu produz nas pessoas. O lugar impõe respeito e admiração. A paisagem transmite a força da natureza. O ambiente transporta as pessoas a um outro espaço e tempo.
Mas, afinal, o que teria sido Machu Picchu? Apenas uma fortaleza, como dizem alguns arqueólogos? Mas para proteger o que e de quem? Isolada pelas correntezas do rio Urubamba, que passa a seus pés, e por um anel de picos montanhosos, Machu Picchu não tem as características de uma fortaleza clássica ou de um centro administrativo. Mais lógico seria conceber a cidadela como um refúgio espiritual – ou até mesmo um esconderijo político.
A cidade é uma obra auto-sustentável, com plataformas agrícolas e edificações talhadas na própria montanha. Todo material utilizado na construção veio das redondezas. As estruturas são de granito; os muros ligeiramente inclinados compensam o impacto de possíveis terremotos. Formam um conjunto arquitetônico de alto valor estético. No total, são 150 casas, além de palácios, templos e aquedutos. Tudo muito bem preservado.
Os vestígios arqueológicos de Machu Picchu confirmam que a maioria das edificações data do início do século 15, bem antes da chegada dos conquistadores. A cidade continuou habitada até 40 anos depois da tomada de Cuzco.
Os espanhóis jamais conheceram Machu Picchu. Foi o explorador norte-americano Hiram Bingham que descobriu as ruínas, em 1911. Quando ele chegou a Machu Picchu, a cidade estava escondida, recoberta por 400 anos de vegetação. Depois de dois anos de exploração arqueológica, patrocinada pela Universidade de Yale e pela National Geographic, Bingham voltou aos Estados Unidos com mais de 5 mil artefatos. A maioria deles continua nos depósitos do museu da universidade. Hoje, o governo peruano e Yale discutem sobre o retorno dessas peças para que sejam expostas em um museu local. Bingham nunca teria imaginado que, um século depois da descoberta, a antiga cidade seria uma das Sete Novas Maravilhas do Mundo.
O explorador não encontrou nenhum objeto que poderia ser considerado como tesouro. Não foi descoberta nenhuma cerâmica espetacular ou qualquer objeto de ouro ou de prata. Apenas algumas peças de bronze e de uso diário. Na verdade, o “tesouro” mais extraordinário de Machu Picchu é sua localização natural, cercada de montanhas e florestas. É esse entorno, esse ambiente mágico, que faz com que visitantes de todas as partes do mundo sejam atraídos por Machu Picchu.
Pela sua localização, Machu Picchu parece estar sempre brincando com as nuvens. Até mesmo na época seca, quando o sol deveria brilhar sozinho no céu, nuvens de chuva podem se formar a qualquer momento. É essa água que dá vida à vegetação das encostas das montanhas.
Com 32 mil hectares, o Santuário Histórico de Machu Picchu concentra uma grande biodiversidade. Isso acontece porque ele abrange dez diferentes zonas ecológicas, com altitudes que variam de 1.700 metros, no rio Urubamba, a mais de 6.200 metros de altitude, com o pico nevado Salcantay.
Apenas um terço do Santuário foi explorado por biólogos. Mas já se sabe que a flora é rica e variada, com uma grande quantidade de arbustos, samambaias e trepadeiras. Foram identificadas cerca de 300 espécies de orquídeas e existem dezenas de espécies de bromélias, cada uma adaptada a uma diferente altitude. Uma begônia rosa é nativa da região.
Em sentido horário, a partir do alto: a esplanada principal de Machu Picchu;
a Torre de Machu Picchu parece ter tido mais uma função cerimonial
do que militar; casa inca na parte leste de Machu Picchu; as pedras brutas
parecem ter sido transformadas em habitações no próprio local.
Machu Picchu foi construída de acordo com a magia da natureza. O Templo das Três Janelas é uma prova, pois marca as quatro estações do ano. Nos dias de equinócio da primavera e do outono, o sol nasce na janela do centro. Nos solstícios do inverno e do verão, aparece na janela das pontas.
Esse conhecimento dos mzovimentos dos astros parece ter sido uma marca registrada da cultura inca. Não é apenas o Templo das Três Janelas que marca a passagem das estações. O Intihuatana, o coração do centro cerimonial de Machu Picchu, também dá essa informação. Inti (“sol”, em quéchua) e Huatana (da palavra Huata, “amarrar”) significaria “lugar onde se amarra o sol”.
Esse pedaço de granito, esculpido em uma forma bem particular, era utilizado como instrumento para medir o ciclo do tempo e das estações do ano. São as sombras projetadas pela pedra – ou a ausência delas – que dão a informação necessária. Esse calendário natural teria uma função importante para organizar a vida social, agrícola e religiosa dos incas. Assim, Machu Picchu poderia ter sido também um observatório astronômico.
Mas a principal função do Intihuatana não está descrita em textos arqueológicos. A tradição andina atribui ao aparelho solar o poder de captar a energia do sol, permitindo uma maior visão espiritual do iniciado. Pedras como o Intihuatana eram sagradas para os incas e existiam em todo o território. Por essa razão, foram alvo de destruição sistemática pelos espanhóis. Os conquistadores entendiam que, ao arrasar as pedras sagradas, estariam também desconectando os incas de seus deuses.
Como não foi descoberto pelo conquistador, o Intihuatana de Machu Picchu foi poupado. Porém, em setembro de 2000, um triste acidente, durante a gravação de um comercial de cerveja, danificou o que os espanhóis não haviam conseguido. Um equipamento pesado caiu em cima da ponta do Intihuatana, fraturando oito centímetros da pedra sagrada.
Na verdade, o estado de conservação do santuário é delicado. Machu Picchu, considerado Patrimônio Mundial Natural e Cultural desde 1983, tomou um cartão amarelo da Unesco no ano passado. O órgão das Nações Unidas, que trata da área cultural, científica e educacional, vem demonstrando sua crescente preocupação com o impacto provocado pelo turismo de massa. A última missão da Unesco concluiu que Machu Picchu tem problemas sérios de desmatamento, desenvolvimento urbano desenfreado e acesso ilegal, além de correr graves riscos de deslizamento de terra.
A esperança é que o Instituto Nacional de Cultura e outras instituições peruanas envolvidas na região saibam ouvir as advertências da Unesco e passem a administrar Machu Picchu com uma visão integrada e não apenas como uma fonte inesgotável de renda.